Breve análise comparativa dos romances “Lucíola” de José de Alencar e “Amor de Perdição” de Camilo Castelo Branco.
Literatura não parece ser um conceito que deva ser definido de uma forma totalmente científica como se fora uma fórmula matemática. Antes parece prescindir de todo um contexto configurado em paradigmas que se constroem a partir da história com suas inclinações predominantes. É que em uma determinada época, certos valores se firmam como pedra de toque para toda uma geração às vezes ensimesmada.
Muitos de seus cantos revelam a soberania na inteligência e a razão na emoção de ser. O estar no mundo pressupõe a lógica da existência a partir do momento em que o sopro da sensibilidade revela, em boa parte dos casos, o ser no não ser das coisas. Neste ínterim surgem poetas, romancistas e pensadores que se objetivam em definir a beleza, o encadeamento e os conceitos de todo um período preciso na história de uma nação.
Durante o período tido como “Romantismo”, muitos escritores se sobressaiam objetivando-se em apresentar de uma forma bastante original a sociedade de seu tempo. Assim Camilo Castelo Branco e José de Alencar como dois icebergs apareceram como fenômenos no mundo das letras.
Com o objetivo de que esse olhar sobre a literatura e as sociedades fique um tanto quanto ostensivo, podemos ter como base dois romances desse mesmo período. Que são “Lucíola” de José de Alencar e “Amor de Perdição” de Camilo Castelo Branco.
Lucíola é o quinto romance de Alencar publicado quando este contava 34 anos de idade em 1862. Fazendo parte dos perfis femininos que por sua vez foi uma das preocupações do autor, Lucíola representa uma realidade totalmente obscurecida pela sociedade daquele tempo. O romance conta-nos a estória de Maria da Glória, que se prostitui com o nome de Lúcia. Ama a Paulo, por cujo amor se redime. Além das qualidades psicológicas do romance, vale como denúncia da sociedade responsável pela escrizofenia – indicada até nos nomes – da heroína.
Amor de Perdição, também publicado no mesmo ano que Lucíola (1862) é um drama que se desenvolve em Viseu, Portugal. Simão Botelho, jovem impetuoso apaixona-se pela vizinha Teresa de Albuquerque, de 15 anos.
As famílias odiavam-se. Numa entrevista noturna com Tereza, Simão tem de matar dois criados de Baltazar (primo que é designado pelo pai de Tereza para se casar com ela). Tadeu de Albuquerque pai de Tereza a oculta em um convento. Preso por assassinar seu rival Baltazar, Simão é condenado ao degredo na Índia. No navio fica sabendo da morte de Tereza através do capitão. Mais tarde morre delirando e seu corpo é atirado ao mar.
As cartas trocadas pelos amantes são importantes para a compreensão da trama. Contribuem para a consolidação da atmosfera emocional do romance.
O primeiro ponto que podemos observar na comparação entre Lucíola e Amor de Perdição é que o primeiro trata-se de um romance de primeira pessoa, ou seja, o narrador da história é um personagem importante da mesma, Paulo Silva. É um relato fundamentalmente mais próximo dos fatos que ser encadeiam numa temporalidade bastante equilibrada, diferentemente da fragmentação de outros romances da mesma época. Amor de Perdição, diferentemente, é um relato feito por um narrador-autor que se posiciona num sutil afastamento desse encadeamento, mas suscetível e conciso.
Evidentemente o tema central tanto de um romance quanto do outro é o amor. De um lado um amor correspondido num primeiro plano entre Lucíola e Paulo Silva. Do outro a violência emotiva que se configura nas peripécias de um outro amor proibido e desafortunado entre Simão e Tereza. Essa distinção parece ser necessária, sobretudo pelo fato de que estas características são, indubitavelmente, pontos de conflitos entre uma obra e outra.
Há outro ponto de fundamental relevância que não pode passar despercebido uma vez que estamos tratando da comparação entre dois romances não apenas porque são importantes ou porque entraram para a história das letras. O fato é que chegamos agora na característica mais distinguidora e relevante.
A partir disso podemos dizer que há uma realidade social distinguidora que serve como pano de fundo tanto de uma narrativa quanto da outra. É que Lucíola de família pobre é tratada no romance de Alencar como heroína. Prostituta por necessidade - não por escolha - se vê confusa tendo de um lado a família que a reprova e do outro a sociedade que parece condená-la.
Em Amor de Perdição há uma oposição ostensiva com relação a essa realidade. Isso pelo fato de que retrata uma burguesia totalizante, embora Tereza e Simão numa revolta totalmente reavivada – como podemos observar no decorrer da narração – se colocam contrários às decisões paternas resistindo até a morte aos obstáculos sócias.
Nesses romances, o tema do amor e da morte se fazem presentes de tal forma que, por conseguinte, observamos os seus lugares de destaque no romantismo. Esse por sua vez revela exatamente essa temática numa força de imaginação e de simplicidade. Essas características conduzem os romancistas inevitavelmente para as paragens do desconhecido círculo que envolve pensamento e sentimento.
O fato é que poucos homens de letras conseguiram expressar as vicissitudes e as angústias do homem tão bem quanto José de Alencar e Camilo Castelo Branco. Admiráveis em sua prosa, não deixaram um mero conjunto de narrativas, mas antes, a influência que exerceram sobre escritores de seu tempo e, sobretudo, posteriores revela a sublime notoriedade desses dois romancistas indubitavelmente da literatura para a história.
Referência bibliográfica:
CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de Perdição. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.
ALENCAR, José de. Lucíola. Fortaleza, ABC Editora 2002