Dissertação sobre a crítica de Platão aos poetas e a poesia com referência a República.

Para se ter uma ideia clara sobre a concepção de Platão acerca da poesia e dos poetas, é indubitável ter em mente uma outra concepção exposta na República não menos relevante e nem menos profunda que é – em todo seu conjunto e assertiva – a educação.

A partir dessa objetivação, podemos entender que a ideia de educação parecia ser, para Platão, não uma imposição exterior, isto é, externa e independente do ser, mas uma condução para esse esclarecimento na exata medida em que educar não consiste em imprimir na mente do outro ideias externas. A verdadeira educação, pois, nada mais é que dar meios ao outro para que este, numa perspectiva real chegue, por fim, a verdadeira ideia desse real.

Nesse sentido, podemos dizer que educar não é o que vulgarmente se pensa, como diria Platão. Para ele não é “introduzir ciência numa alma” como “se introduzisse a vista em olhos cegos”.

O que de fato é questionado na República, além de outras coisas como a ideia de justiça apresentada por Trasímaco, é notadamente o papel da poesia. Com isso podemos perguntar, portanto, o que é e qual a verdadeira intenção da poesia e dos poetas?

Com a intenção de que fique mais pertinente o debate que gira em torno dessa reflexão, podemos fazer um paralelo entre a República e outro conhecido diálogo de Platão denominado Íon.

Em Íon, Platão se esforça em estabelecer um embate entre técnica e inspiração poética. O poeta, segundo estabelecido no diálogo, é por natureza um servo a serviço dos deuses. Seus versos não são frutos da capacidade humana ainda que possam ser declamados, entendidos e interpretados pelos humanos, mas são frutos de uma força superior. Os poetas são, portanto, apenas intérpretes do divino, isto é, dos deuses.

Há na República – e não é de se surpreender – um conceito de poesia totalmente configurado com a realidade de Platão e dos gregos de uma forma geral. Entretanto, Platão diferentemente de supervaloriza-la, busca demonstrar, de uma forma bastante minuciosa, a formação da cidade ideal sob as virtudes, sabedoria (Sophia), coragem (andreia), temperança (sophrosyne), justiça (dikaiosyne) e a influência da poesia nesse determinado contexto.

O fato é que na República a poesia assume ostensivamente uma posição inevitavelmente negativa. Isso, sobretudo pelo fato de que segundo Platão, as fábulas dos poetas estão repletas de falsidades sobre os deuses, por quê? Por que nelas atribuem-se todos os defeitos aos deuses e, sendo assim, nada revelam sobre a perfeição da divindade.

De qualquer forma, fica estabelecido em Íon e na República, com menção a alguns versos de Homero, que os deuses não eram garantia de justiça e os poetas em nada contribuem para a instrução da juventude.

Platão parecia estar mais preocupado com o resultado das intenções humanas que podem se definir a partir de valores estabelecidos e dados como certos. É que a verdadeira instrução consiste numa evidenciação do bem que, em resumo, era a finalidade ou alvo da vida e que somente a partir disso se pode alcançar os altos píncaros do conhecimento capaz de tornar o mundo inteligível e o espírito ainda mais aguçado para perceber essa evidenciação.

A verdade é que a poesia era transmitida na Grécia de uma forma bastante contundente, como o principal meio de educação e transmissão de conhecimentos. O que Platão iria questionar de uma forma deveras específica é que se a principal característica da poesia consiste na ideia de imitação, como se é possível concebê-la como o principal meio de transmissão do conhecimento verdadeiro? O poeta não seria antes um fiel imitador de uma realidade?

Assentemos, portanto, que segundo Platão todos os poetas a principiar por Homero são imitadores da imagem da virtude e dos outros assuntos que compõem, mas não atingem a verdade. Isso é um fato amiúde característico da República. Para que se compreenda o verdadeiro sentido da administração pública e de si próprio é imprescindível que se compreenda, também a necessidade do conhecimento verdadeiro. A ideia de bem por exemplo, para a maioria das pessoas se identifica apenas com o prazer, ao passo que para uma minoria mais reflexiva e inquiridora está ligada ao saber. A poesia não trata do verdadeiro saber das coisas posto que sua verdadeira essência dá-se, segundo Platão, não pela transmissão de conhecimento seguro, mas sim da imitação de características estabelecidas, como já foi explicitado.

Essa característica da poesia que inevitavelmente representa o ponto de partida da análise realizada por Platão, parece configurar todo um processo de observação e racionalização. Para ele, o poeta é irracional. Logo, a poesia por não apresentar questionamentos e raciocínios pertinentes para a construção da verdadeira ideia do real, não pode ser encarada nem como método adequado para a educação dos jovens, nem como ponto de partida para a compreensão do mundo.

Mas, Platão estava ainda mais convicto de que era indubitável se chegar a verdade por meio da caracterização do real. A verdade exige um processo de entendimento e autenticidade. Nesse contexto, ele conclui, deixando a entender que tudo que remete o discurso poético é imitação, ou seja, não é real.

De qualquer forma, ainda que seja um olhar negativo lançado sobre a poesia tornando-a negativa no sentido de não se objetivar em alcançar a verdade, a poesia e os poetas tem seus lugares assegurados naquilo que de mais belo existiu na Grécia. Platão, inevitavelmente, contribuiu para isso delimitando num sistema filosófico preciso o posicionamento dos poetas e dos filósofos. Estes numa perspectiva racional e inquiridora, aqueles num direcionamento pertinente do revelado e do sensível.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 16/06/2008
Reeditado em 30/11/2015
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