O SONHO ( Celismando Sodré - Mandinho)

O SONHO

Sempre analisei os sonhos com grande interesse e fascínio, pelo que eles representam de mistério para nossa existência. Eles que acontecem alheios à nossa vontade consciente, pode ser a chave para entendermos certos detalhes intrigantes da nossa mente.

O grande Sigmund Freud, fundador da psicanálise, com sua inteligência superior, já teria se debruçado sobre estes fenômenos oníricos e chegado a conclusões interessante, como a de que os sonhos são manifestações do nosso inconsciente, influenciado por lembranças, desejos reprimidos, traumas e frustrações do nosso passado, principalmente da época da nossa infância, desde a mais tenra idade.

Na minha opinião de leigo, com a humildade que todo aprendiz precisa ter; penso que pode ser que existam traços, alegorias e símbolos que sejam comuns a todos os seres humanos na tentativa do entendimento dos sonhos, influenciados pelas mesmas fobias, medos, estresses, ou seja, o sofrimento comum a todos na história e no tempo. Mas, devido às características individuais de cada pessoa e a história particular de cada um, acredito que apenas você, subjetivamente, com sua vivência única, suas experiências e sentimentos e com sua inteligência, poderá ter a capacidade de decifrar seus próprios sonhos, daí a necessidade de sermos psicólogos de nós mesmos. Só você pode entender seus símbolos, estabelecendo relações entre fatos ocorridos no seu passado e as alegorias manifestadas nestes fenômenos da mente.

Existem diversos tipos de sonhos: os pesadelos que parecem ser manifestados pelos medos inconscientes e até pelo nosso estado biofísico, gerando também alguns sonhos inusitados, como foi o caso de um amigo, José Ney, que certa vez abusou demais da bebida e desmaiou. Ele conta, que numa ressaca tremenda, sonhou tomando banho numa “refresqueira” de suco, daquelas de lanchonete; outra vez, sonhou com uma plantação de picolés e ficou frustrado porque quando foi tirar um picolé do pé, viu que todos estavam verdes, acordando, depois, com uma sede insuportável. Existem os sonhos leves que parecem sem nexo ou lógica; em alguns deles você sabe que está sonhando e quer acordar ou continuar, dependendo da agonia ou do prazer que você está tendo.

Há também os que nos trazem impressões maravilhosas, como aqueles nos quais realizamos o mais antigo desejo humano que é o de voar como um pássaro, sem o auxílio de qualquer aparelho, contemplando paisagens magníficas, como se estivesse vislumbrando o paraíso. Outros estranhos, como ver um lugar que parece ser já conhecido sem ter lembrança disso, de um rosto que você tem certeza que já viu, mas que não está na sua memória consciente.

É possível sonhar dentro do próprio sonho, ou dentro do sonho do sonho, e às vezes, eles acontecem por capítulos como uma novela que se sucede, após você acordar e dormir novamente; alguns, você quer continuar e não continua; outros, você quer que não continue e mesmo assim ele continua.

Algumas pessoas juram que existem sonhos premonitórios, que prevêem, avisam ou alertam para o futuro com relação ao nosso comportamento, nossa ação individual ou coletiva diante do mundo e das pessoas; já tive sonhos assim, que me fez pensar seriamente no meu modo de agir, mudando certos hábitos e idéias.

Alguns destes sonhos, já me fizeram ter idéias completamente extraordinárias, como estar vivenciando um destes sonhos de forma tão real e você pensar que a verdadeira realidade era aquela do sonho e que a vida concreta é que era uma ilusão.

Às vezes, os sonhos causam impactos como a nos alertar sobre algo e nos fazem viver situações tão novas e emocionantes, geralmente com pessoas que amamos, que sentimos uma dor profunda, o coração parece pesar como se fosse a dor do âmago da alma; quando acordamos, estamos visivelmente transtornados e em lágrimas, parecendo que nosso espírito saiu do nosso corpo e foi beber numa fonte eterna e divina de sabedoria, para criar aquelas histórias espetaculares e didáticas, voltando para nos sacudir, ensinar e mostrar o verdadeiro caminho por onde seguirmos; mas, suas interpretações são complexas, cheias de nuances e detalhes simbólicos, fazendo parte do quebra-cabeça do entendimento dos sonhos.

Num certo momento da minha vida, revoltado com as injustiças do meu País, os péssimos salários dos trabalhadores que fazem tanto pelo progresso e recebem tão pouco, e outros que fazem tão pouco e recebem tanto; revoltado com os políticos corruptos que roubam o dinheiro do povo e com meu salário de professor, comecei a pensar que não valia a pena ser correto neste mundo, que os que mentem, corrompem e levam vantagem em tudo eram os que estavam certos, foi nessa fase que tive um sonho que me sacudiu de maneira profunda, que vou contar, resumidamente, porque não me lembro dos detalhes.

Sonhei que estávamos num certo lugar com outras pessoas, algumas conhecidas que estão na minha memória até hoje e outras não. Planejávamos um assalto a um Banco. Executamos o assalto e tudo teria corrido bem. Dividimos o dinheiro entre todos, em partes iguais, sem maiores problemas. Percebi, depois, que o valor da minha parte era exatamente o valor do meu salário, na época , multiplicado por mil. Só que, como éramos amadores, sem perceber, deixamos várias pistas e as investigações começaram. Eu, com aquele dinheiro escondido, sem saber o que fazer com ele, já arrependido e com a preocupação de ser desmascarado, pensava na minha família, na minha reputação. No sonho, sentia uma agonia e uma dor tão profunda, que não parecia dor física; era uma dor que parecia vir da essência da alma.

As pistas foram aparecendo, a polícia foi fechando o cerco, até que começaram a pegar os assaltantes, um por um. Eu, ainda foragido, lembrava das lições do meu pai, homem rude, trabalhador da roça que pregava sempre que a vida deve ser baseada na correção e na honestidade; como era professor, lembrava dos meus alunos e das minhas aulas sobre ética na política e o valor da retidão no comportamento social. Suplicava, de forma desesperada a Deus, para retornar no tempo e consertar a besteira que tinha feito, que era ter participado daquele assalto. Pedia, fervorosamente, para voltar a ser o professor assalariado que eu era. Pensava no tanto que tinha me esforçado, procurando levar uma vida reta e honesta. Por que teria sucumbido ao dinheiro fácil? Toda a reputação que havia tentado construir durante décadas, tinha desmoronado em algumas horas.

Nunca havia sentido uma dor profunda e tão diferente como aquela. Como mirar nos olhos dos meus familiares e amigo depois do que tinha acontecido?. Como era de se esperar, finalmente fui preso, minha chegada na delegacia foi tumultuada: eu, algemado e envergonhado, olhava fixamente para o chão, em minha mente, via nitidamente a imagem da minha mãe chorando em casa. Lembro-me que um dos colegas aproximou-se de mim e disse uma frase que ecoou no meu cérebro como fortes badaladas de um sino; ele falou com veemência : “Que vergonha!”.

Acordei chorando, sufocado. Percebi que tinha sido um sonho para meu grande alívio, agradeci profundamente à suprema inteligência por ter voltado à realidade, ainda meio atordoado pelo que tinha acontecido, fui me acalmando e fiquei muito tempo acordado pensando naquele sonho. O que ele queria me dizer? Fiz um verdadeiro balanço da minha vida e cheguei a conclusão de que vale a pena procurar sempre ser honesto. De repente, veio-me a memória um destes adágios populares simples e verdadeiros que expressa a sabedoria do povo humilde, que diz: “O pouco com Deus é muito”.

Cheguei a conclusão de que é preciso sim, lutar contra as injustiças, contra a exploração do homem pelo homem, ser ativo na vida e não se acomodar; mas, nunca esquecendo que vale a pena procurar sempre ser digno e correto, sem sucumbir diante deste mundo tão repleto de tentações, cheio de corrupção e de caminhos aparentemente fáceis e que levam às encruzilhadas sem saída. Sabemos que somos seres humanos falíveis, cheios de fraquezas, erros e defeitos. Porém, nunca devemos desistir de perseguir a retidão moral e a ética. Às vezes, fico a me perguntar se este sonho surgiu em minha mente por acaso, ou se foi inspirado por uma força lógica superior.

MANDINHO
Enviado por MANDINHO em 14/06/2008
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