Aula 12 - Estética nas Organizações
In: MALANOVICZ, Aline Vieira. "Safári de T.O: o Percurso de uma Estudante Exploradora pela Diversidade das Teorias Organizacionais". Revista Pró-Discente: Caderno de Produções Acadêmico-Científicas do Programa de Pós-Graduação em Educação - UFES, v.27, n.1, 2021. Disponível em: https://portaldepublicacoes.ufes.br/prodiscente/article/view/28547 Acesso em: 31 ago. 2021.
Estética nas Organizações
A consideração da percepção estética para a compreensão de fenômenos organizacionais apresenta uma abordagem por meio da qual as organizações são entendidas como culturas formadas por artefatos particulares que influenciam a percepção sensorial da realidade pelos indivíduos que produzem a organização, a ponto de definir crenças, normas e valores culturais. Em relação às abordagens que estudam a organização de modos analíticos por meio de suas estruturas, esta abordagem compreende mais profunda e organicamente a organização, por voltar a atenção às coisas e às experiências e percepções que os atores têm delas nas organizações. Ambos os modos de compreender e de comunicar o conhecimento se complementam de acordo com a relevância que cada um assume em cada fase do processo de investigação etnográfica de uma organização.
Em uma simplificação estruturada em uma dualidade de "correntes" de pensamento, o conhecimento sensorial se contrapõe ao conhecimento intelectual da ciência que cria um sistema de símbolos para descrever a realidade. O racionalismo utilitário amplamente difundido inspira visões e concepções que determinam culturalmente distinções entre arte e ciência, conhecimento intuitivo e conhecimento lógico-científico, e essa concepção ainda é dominante em ciências sociais, pois os estudiosos das organizações as concebem, descrevem e interpretam como formas utilitárias de agregação social. Assim, a forma de descrever e analisar a organização identificada com a cultura científica se baseia no modo formal, racional, instrumental, que já está estabelecido, legitimado, institucionalizado, e hoje dominante, de estudar o tema.
Mas as pessoas têm dois modos diferentes de conhecimento disponíveis, e usam ambos para compreender o mundo em que se vive. O modo lógico-racional confia amplamente na análise, no cálculo, na lógica; implica a abstração e a manipulação dos elementos – sem interessar a forma como eles estão combinados – e é completamente descritível, embora exista uma infinidade de coisas que as pessoas sabem por experiência e não conseguem expressar por palavras, e que formulando os conceitos por palavras (ou por caixinhas&flechinhas), o conhecimento fica sempre reduzido. O outro modo, estético-intuitivo, confia mais na síntese e no reconhecimento do contexto global, implica o conhecimento ou a criação da forma – sem se preocupar com os elementos que o constituem – e não é completamente descritível. Tomando um posicionamento não-subordinado a pressupostos vinculados às metodologias de investigação dominantes, os pesquisadores de ciências sociais podem aplicar métodos que tirem proveito de ambos os modos de compreender o mundo e as organizações.
A perspectiva estética parte de uma análise crítica de alguns desses pressupostos implícitos dominantes no mundo da pesquisa social e organizacional. Tem o sentido de privilegiar um aprofundamento da pesquisa das características da organização que são mais tangíveis e fisica e emocionalmente percebidas pelas pessoas. Considera que todo sistema cultural possui uma correspondência estrutural entre seus códigos ontológicos e seus códigos estéticos, ou seja, entre os sistemas de crenças e valores e os padrões de relação/combinação entre elementos formais. Assim, tenta olhar para a paisagem corporativa como uma materialização de uma visão de mundo e interpretar o código estético escrito na paisagem como um caminho para a cultura, como uma realidade natural que inscreveu em si mesma um código cultural estético. Com isso, a abordagem dá prioridade ao conteúdo peculiar do desenvolvimento da cultura de cada organização (e não tanto à forma geral quase padronizada do conjunto de organizações), o que se alinha à cultura literária e artística, que é humanista e generalista, voltada para a subjetividade humana e o seu desenvolvimento.
O conhecimento sensorial apreende a realidade pelo emprego de sensibilidade para a percepção de facetas da organização formadoras de sua cultura e representadas em seus artefatos, e apreendidas pela captação dos seus múltiplos significados no processo de interpretação e produção social de sentido pela experiência estética dos indivíduos. Isso passa como elemento secundário para os métodos analíticos, mas é a base de experiências humanas e formas de cognição que muito influem na vida da organização. Por exemplo, nas pesquisas segundo um paradigma etnográfico cíclico-qualitativo sobre a percepção do tempo de trabalho, a ênfase estava na experiência cultural e na produção de sentido ao criar significados temporais, em vez de obedecer somente às estruturas temporais.
Essa visão estética do conhecimento social combinada à rigorosa visão do realismo científico com o potencial criativo do idealismo artístico traz implicações metodológicas alternativas àquelas do modelo de cognição racional. Passa-se da questão epistemológica (das formas de conhecimento) para a questão ontológica (dos objetos do conhecimento). A partir desse ponto de vista, as idéias e as coisas, o pensamento e a ação, o espírito e a matéria não pertencem a mundos separados e incomunicáveis, mas se entende que as coisas podem representar a materialização das idéias, e, portanto, podem gerar idéias que tendem a materializar a si próprias, pois a relação entre os sistemas de significados e os sistemas de sensações parece ter natureza circular.
Esse processo torna possível o entendimento da natureza e das formas da mudança social e organizacional. E assim, a pesquisa do pathos de uma organização não é uma questão de emprego único e incondicional de uma forma particular de conhecimento e comunicação, mas um equilíbrio entre intuição e racionalização, uma tensão entre conhecimento tácito e conhecimento consciente, um balanceamento de emoção e reflexão, empatia e afastamento analítico que é a essência do trabalho etnográfico.
Uma questão que poderia incentivar o debate sobre o tema seria:
A abordagem da percepção estética da organização oferece recursos também para a compreensão do papel dos indivíduos e do sentido desse papel experimentado por eles no contexto da organização?
08/06/2008