Invasões Assustadoras

Ao meu pai.

Também dedicado a Hildebrando Pafundi.

Texto inspirado no filme, Les Invasions Barbares

Quando mais moço eu não tinha medo de morrer, alias, desejava morrer mais do que tudo, quando eu era moço...

Eu não odeio meu pai por ser eu um ignorante, ou como costuma me chamar, Um pseudointelectual, meu pai é um homem sábio, lido, meu pai é um homem vivido, sabe o que é bom ou ruim para minha vida, sabe olhar-me filtrando-me.

Costumo tratá-lo como o introdutor de minha vida na alma poética da leitura, da caçada interminável que tenho pelo conhecimento. Meu pai, quando eu o olho não vejo um homem velho e cansado, eu vejo um homem vigoroso, ditoso, proveitoso de erros e acertos, vejo simplesmente meu pai, meu pai.

É engraçado que no decorrer da leitura de inúmeros livros e artigos e resenhas e memorandos e quadros e gravuras e sinais de fumaça e sinas de civilizações antigas e complexas... outros idiomas e encontrar sempre a mesma resposta para tudo o que vemos, para tudo o que estudamos, uma resposta tão clara quanto olharmos e não precisar analisar o poema e descobrir de que se trata de um soneto de Petrarca, ou de um Camões, ou de um Bocage, Vita Nuovo ao mais Dantes pensamentos que soterram nossas erudições mais contagiantes, na realidade o que quero dizer é simplesmente que a vida se vai, mesmo sendo ela nova, ou quem sabe de meia idade, não haverá chá das cindo com a Morte num jardim florido, não haverá poemas declamados num purgatório viçoso, não haverá poder sem que o gozo chegue a glande e definitivamente, não haverá, não encontraremos nossos antepassados num jogo de xadrez numa ante-sala do inferno.

Nas leituras da vida, nas placas que nos indicam caminhos a seguir, as palavras são neutras, não revelam simplesmente o caminho, as palavras vêem em formato de pergunta, Direita, Esquerda, Curva Sinuosa, Estreitamento, Comida Rápida, Parada Obrigatória, o que será de nós quando a cegueira surgir nas brumas da noite.

Tenho medo de morrer e não ter lido o que deveria ter lido, tenho medo de morrer e não dizer ao meu pai o quanto eu o amo, tenho medo de morrer e não publicar um livro, tal Vincent Willem van Gogh seus quadros, tal escritores do Masp, tenho medo de morrer e não ver meu filho, tenho medo de desejar suicidar-me e ter que fazê-lo no Viaduto do Chá ao salto sem asas de um Ícaro nas montanhas de Portugal, tenho medo de ser poeta para o resto de minha vida.

Quando penso em morrer, penso primeiro em dar um gole numa taça de vinho e de licor e de rum e de vodca e de tequila e de absinto e por fim de veneno.

Quando penso em morrer, penso primeiro em dar uma tragada num cigarro e fumar ópio num narguilé e depois ingerir o veneno. Vestido de smoking claro.

Quando penso em morrer penso em meus amigos poetas e escritores a minha volta, penso em minha esposa sorrindo, em meus sobrinhos e sobrinhas brincando ao redor, em meus familiares, nos meus livros e discos, em meus poemas, meus textos, minhas crônicas, minhas prosas, queimando ao vento sem despedir-se das palavras em brasas, penso nas letras em chamas, nas chamas sucumbindo aos céus, tornando-se cinzas e aterrissando nas águas das poças num chão de alabanda.

Quando penso em morrer, penso num epitáfio de desculpas.

Quando penso em morrer, penso em um dia de paz, longe dos livros, das pessoas...

... longe to túmulo do viver.

Flávio Mello

15/01/2005

01h 48min

Flávio F Mello
Enviado por Flávio F Mello em 07/06/2008
Reeditado em 07/06/2008
Código do texto: T1023745
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