PRESENÇA DISTANTE
A vida humana é marcada de encontros com outras pessoas, com realidades diferentes e sempre que saímos da nossa bolha de segurança, nos damos conta de quão misteriosa ela é. O assombro disso provoca as mais variadas reações: há quem se sinta atônito, outros se lançam com tenacidade para tentar descobri-la e entendê-la.
Sempre que entramos em contado com o diferente – isto é, com o outro – carregamos conosco um pouco dele. Assim não saberemos se é uma distante presença ou uma presença distante: só sabemos que é saudade. Saudade é uma palavra que evoca os mais variados sentimentos e significados, significando que tudo “o que a memória amou fica eterno” (Adélia Prado). A distância não faz desaparecer esse encontro em absoluto, mas somente a sua atividade. No entanto, se a ausência se mantém por muito tempo, parece de fato fazer com que as pessoas esqueçam uma das outras e daí vem o adágio popular “a ausência desfaz as amizades”.
O que nos chama atenção ao entrarmos em contato com uma pessoa? Será a indumentária? O estilo? Creio que se fosse isso ficaríamos no superficial, já que o homem é mais profundo do que a sua manifestação. Sua profundidade é visa e não contemplada, a isso se podemos dar o nome de rosto.
O rosto é a fachada, o nosso cartão de apresentação. Nós nos expressamos no rosto, no rosto que “avança” e sai ao encontro do outro. O que importa não é a forma ou a figura, mas, sobretudo, a expressão. Do quê? Da interioridade, da intimidade da pessoa. A contemplação do rosto humano não deve ser “visto” ou no máximo reconhecido, mas vivido como um encontro entre EU e TU. E é nessa relação que descobrimos a riqueza da vida e o mistério que possui.
Quando nós nos apaixonamos é por uma pessoa real, e o que primeiramente procuramos é um rosto que nos dê segurança e prazer em contemplá-lo. Depois que este entrou em nosso campo visual, procuramos fazer o primeiro contato com o olhar, pois tudo começa com ele e acabará num sorriso ou numa lágrima. Não será?
A vida humana é em si mesma inteligível, o rosto, representação da pessoa concentra-se nos olhos. Eles revelam tudo, até o impossível! Esse é um dos motivos que muitos homens temem em olhar diretamente nos olhos de uma mulher, pois eles são mais profundos que os abismos dos mares. Quando não há mais palavra, o olhar passa a ser a única linguagem entre os apaixonados, isto é, se o amante não consegue dizer para a amada que está apaixonada basta fitá-la nos olhos e o restante a circunstância o fará – culminando num ósculo entre dois apaixonados.
A paixão surge nesse momento de reconhecimento e isso provoca mudanças em nossos corpos. Por exemplo: mãos frias, coração disparado, respiração ofegante, impulso de se movimentar e de falar sem parar. Na fase inicial não percebemos nada, ficamos absolutamente fascinados e encantados com a outra pessoa e esquecemos os defeitos que possui. Quando sentimos isso diminui o nosso apetite, o timbre de voz muda e damos maior importância ao vestuário e, “a ternura, o prazer da companhia e o desejo podem ser eternos, mas quase todo relacionamento chega a um ponto em que o fascínio inicial desaparece” (Dostoiévski). Por isso, paixão significa sofrer, suportar, deixar-se levar por, e aparece em nossas vidas como um transeunte que fixa sua morada junto a nossa tenda. Nada de grande se faz sem paixão!
Isso consiste que o homem está projetado para a mulher, e a mulher para o homem. Essa referência implica uma estranha “insuficiência” de cada um, indigência ou carência, já que ambos necessitam-se para existir. Assim, “a revelação do amor é uma lembrança de carência” (Clarice Lispector).
Portanto, “o amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, a paixão é tão inerente quanto à própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão” (Clarice Lispector).