Um Beco de Pasárgada

para Leda, com carinho

Quiçá, também tiraria meu chapéu, maquinalmente, ao ver extremo poeta à janela, diante ao beco, solitário – com seus livros, papéis, poemas, tosses e musgos..., pensando em sua Glória, em Teresa, em Rondós, em Andorinhas, ou quem sabe, copiosamente, em uma Dama presenteada por um rei, qualquer, muito amigo seu.

Um Momento antes de beber o café, observando o minúsculo “buraco negro” que se formou, enquanto, em movimentos circulares, a xícara proporcionou-lhe. – Sorvo o que parece enigma, um Claro Enigma, perco-me in misterium. Uma última canção ao beco.

“- O que eu vejo é o beco.”

Por que será que tão altivo poeta vem à janela observar, imagens isoladas no tempo, de paisagens distantes? – Tema que sabemos, muitos, o velho dono do porquinho, não viveu, não conheceu, não sentiu, não gozou... o pulmão em tango o proibiu. – Lastimas, lastimas... Odes e ode(i)os! Vi algum tempo, disperso, um documentário, tal fita mostrava, em preto e branco, o poeta, perambulando pelas ruas, caminhando em direção cega... revelando seu humano ser, seu humano momento de fragilidade, exposto ao concreto, à poluição, ao hemisfério cinza do real, à realeza citadina, a mercê de espasmos, buzinas, pessoas e tosses; aproximação de céus, poema e terra, poeta e diversos eus.

Talvez tal bandeira não desdobre ao vento, talvez não se veja pavilhão tão lustroso e fino, quem sabe o hino fragmentado não se chegue ao casario na Rua da Lapa, e, talvez não seja um inseto o corvo que assombra sua alma doente. Deveras, o poeta se revela um ser grandioso, porém, preso as amarras do isolamento, contemplando os sons e cheiros providos de uma cidade qualquer, qualquer cidade... cidade em cidade.

Até mesmo o casario virá abaixo, talvez com a morte do poeta, não reste sequer sombra do que um dia foi casa, sobradinho... local de máquina-de-escrever-poemas.

Quem sabe tal construção não seja elevada por algum deus pagão aos céus, também contemplativo, como o poeta – suspensa com seus pisos; paredes; tetos; com seus tapetes; escadas; azulejos; com suas janelas e portas; com os quadros e porta-retratos; quem sabe não será erguido, patrimônio-histórico, ou mesmo esquecido... poesia em livro fechado, prateleira mofada, livreiro analfabeto.

Entretanto, agora compreendo, o menino tísico do balãozinho apedrejado, menininho filho de lavadeira, não sonhava apenas em ver o balão oblongo atingir o céu enegrecido da noite, não sonhava apenas com zepelins, muito menos com viagens a lua –, sonhava apenas em ser livre, assim como o poeta de seus grilhões, de sua poesia tão profunda e obstinada... uma poesia possuída de desejos simplórios, de sonhos cristalizados pelas lágrimas daqueles olhos fracos, - agora, leitor, atente os ouvidos, ouça a canção ao menino doente e me censure se for capaz:

(...)

– “Dodói, vai-te embora!

“Deixa o meu filhinho.

Dorme... dorme.. meu...”

(...)

– “ Dorme, meu amor.

“Dorme, meu benzinho...”

e, o poeta, sem tosse, dorme.

Flávio Mello

02/12/2006

13h 37min

Flávio F Mello
Enviado por Flávio F Mello em 04/06/2008
Código do texto: T1020047
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