AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O HÁBITO DE LEITURA
Quem de nós nunca se deliciou com uma boa história em quadrinhos nos nossos áureos dias de infância ou adolescência? Feliz de quem passou por isto, porque a grande maioria destes viria a se tornar leitores assíduos de outras modalidade de escrita. À medida que crescemos e avançamos para leituras cada vez mais complexas, quase sempre, passamos a ver essas histórias como trivialidades e não damos conta do quanto elas foram importantes para que nós chegássemos onde estamos.
De fato, não se pode negar que a maioria dessas histórias são muito ingênuas, mas o que muita gente nem sempre percebe é como elas são importantes na formação do hábito de leitura dos jovens. Hoje já existem estudos acadêmicos, em semiótica, sobre esse gênero da escrita enquanto instrumento de leitura e forma de comunicação.
As histórias em quadrinhos são extremamente estimulantes pela profusão de imagens que instigam o leitor a prosseguir na leitura. Dificilmente uma criança ou adolescente, leitor assíduo dessas histórias, não se torna assíduo também na leitura de outros textos na vida adulta. Porém, essa modalidade de literatura vem perdendo espaço para os desenhos animados. A televisão, que já ocupou o espaço das reuniões e dos diálogos em família, ocupa agora, com os desenhos animados, o espaço das leituras dos textos em quadrinhos.
Baseados eminentemente na comunicação oral, os desenhos animados se apresentam como mais fáceis de serem “degustados”: uma história pode ser vista sem exigir muita concentração através da abundância dos recursos audivisuais. É até possível assistir a um filme desses enquanto se faz outra atividade, o que não seria possível com a leitura de uma história em quadrinhos.
O texto em quadrinhos tem algumas características específicas do gênero. Os “balões” que indicam a fala ou pensamento, a forma de se escrever, a riqueza de interjeições, onamatopéias, utilização de letras maiúsculas para indicar aumento no tom de voz, repetição de vogais indicando prolongamento do som emitido pelo personagem, etc. Além de tudo isto, a imagem dos personagens aparecem com expressões faciais e corporais, que completam a sua fala expressa pela escrita. É, talvez, o gênero de escrita que mais emprega representações dos componentes da linguagem oral, isto é, representa imagens dos movimentos do corpo de quem fala durante a emissão da mensagem.
As histórias em quadrinhos são histórias escritas que se assemelham ao cinema porque os diálogos são oralizados a partir de um roteiro. Essas histórias que podem ser definidas como histórias em linguagem escrita com características da linguagem oral, possuem também características específicas como é o caso da representação escrita do pensamento do personagem: no cinema isto é possível através do som da voz do personagem, relatando as suas impressões enquanto ele se apresenta absorto, ou com a alternância de imagens atuais com imagens que representam fatos passados ou da imaginação de uma situação futura.
Esse gênero de literatura deveria sair dos domínios comerciais para ocupar lugar de destaque como instrumento de leitura, utilizado para fins didáticos nas séries iniciais ou até mesmo nas intermediárias. Poder-se-ia utilizar conteúdos diferentes dos caricatos que comumente se vê, priorizando assuntos mais enriquecedores, como a reprodução de fábulas, contos, crônicas e outros textos que possam levar os jovens a se habituarem à leitura e a repensarem o mundo que os cerca. Obviamente, o investimento nessa área iria de encontro aos interesses de quem atualmente explora o mercado das revistas em quadrinhos com os personagens já consagrados pelo público, mas, sem dúvida, poderia ser uma alternativa valiosa para se criar o hábito de leitura nos jovens.