Aula 10 - Poder

A Perversa Conspiração do Poder Invisível

Para que as pessoas vivam integradas em sociedade, é necessário um sistema simbólico que defina um padrão para as relações simbólicas e a comunicação. Sistemas simbólicos são conjuntos de valores, crenças, rituais e procedimentos institucionais, e são imbuídos de ideologia quando produzidos pelos indivíduos que estão em uma posição de preferência para defender e promover seus próprios interesses. O poder simbólico é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder. Esse grupo dominante de indivíduos institucionaliza assim sem conflitos sua autoridade e exerce seu poder de modo invisível e, por isso, perverso, pois os sistemas simbólicos operam sistemática e consistentemente para beneficiar esse grupo à custa de outros. Os sistemas simbólicos exercem a função de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) e a “domesticação dos dominados”. O poder assim constituído como um meio generalizado de mobilizar comprometimentos ou obrigações para a ação coletiva efetiva conduz os indivíduos dominados a agirem e pensarem – e a deixarem de agir e de pensar! – de acordo com os interesses dos dominantes, sem perceber que aquiescem a isso contrariando – ou ignorando – os seus próprios interesses.

Por definição, pessoas ou grupos que criam ou reforçam barreiras ao surgimento público de conflitos de interesses têm poder. O poder que se exerce na organização é originário do conflito ideológico entre os interesses de capitalistas e trabalhadores, pois ele só faz sentido se existe o embate entre duas perspectivas diferentes, quando existe uma visão a ser reprimida por instrumentos de dominação. Assim, todas as formas de organização têm um viés em favor de uma determinada visão em determinados tipos de conflito e de supressão de outros conflitos e da contradição. Quando se opta por “não decidir” em um conflito, o grupo decide manter o status quo e assim eliminar um desafio latente ou manifesto aos valores e interesses dos decisores. É a lógica da censura, que proíbe, impede que se fale a respeito, e nega que exista. Nesse sentido, o poder não é percebido pelos indivíduos a ele submetidos, já que envolve a não-ação, que silencia o conflito sem resolver suas demandas. Assim, o fator conflito, embora elementar, é eliminado das organizações.

Essa eliminação do conflito intensifica o poder porque atinge a subjetividade individual, levando os próprios indivíduos a o exercerem na relação que têm com a sociedade e consigo mesmos. Esse poder simbólico é uma forma inconsciente de mobilização, cuja dominação se dá de modo natural, incorporado a essa própria percepção subjetiva que os dominados têm da realidade. Isso ocorre ao longo do processo de naturalização: pelo temor da punição, a disciplina torna-se natural para o indivíduo que se sente vigiado como em um panóptico, pois o poder é projetado na sua própria mente, e ele permanece em constante autocontrole. Isso assegura o funcionamento automático do poder: garante a aquiescência e impede a contestação e a possibilidade de reação por parte do indivíduo como resultado do processo social de construção da dominação internalizada, que resulta na total inconsciência a respeito dessa dominação. A dominação daqueles que não querem saber se são sujeitos ao poder e que não o exercem demonstra que o poder está totalmente internalizado. Assim, por exemplo, não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância das receitas, o telespectador ao consumo de qualquer porcaria que se lhe ofereça.

Assim, se percebeu que o mais eficaz, na economia do poder, é não permitir que surja o conflito; é mais eficaz vigiar do que punir. Os instrumentos de dominação legitimados (sistemas simbólicos de valores e crenças) fornecidos pela organização impedem aos dominados a construção de símbolos comuns ao grupo social, capazes de produzir efeitos, ás vezes automáticos, o que torna a dominação velada exercida imperceptível aos indivíduos que a ela estão submetidos, o que garante o controle. Ao permitir obter dominação equivalente àquela obtida pela força, mas usando somente a manipulação, o poder simbólico torna-se uma forma muito mais totalitária e abrangente de dominação. Outras formas de poder não são tão abrangentes como esse poder disciplinar que submete os indivíduos à obediência coagida, sem, contudo, fazer uso de nenhum instrumento de coação. Assim, o mais efetivo, mas perverso e insidioso, uso do poder é prevenir o aparecimento de conflito moldando as percepções, conhecimentos e preferências de tal modo que se aceite o papel na ordem existente porque não se é capaz de imaginar qualquer alternativa a ela.

O poder simbólico, portanto, pode estar em toda parte, pois é invisível e sutil, e por isso perverso. O indivíduo é dominado consciente, e às vezes inconscientemente. A classe que detém a cultura dominante cria uma estrutura de símbolos aos quais o grupo social dos indivíduos adere enquanto molda sua ação e seu pensamento às estruturas. O poder assim constituído por uma crença inicial na legitimidade dos elementos simbólicos, inicialmente consciente, mas depois assumida por “inércia” da reflexão, introjeta a disciplina no indivíduo, e ele passa a pensar e agir de acordo como é conduzido inconscientemente a fazer. Para que exista resistência a – e mesmo a destruição dela –essa forma de poder de imposição simbólico radicado no desconhecimento, é necessário que se descubra, se desmascare esse poder, é necessária a tomada de consciência do arbitrário, a revelação da verdade objetiva e o fim da crença, e conseqüentemente, da obediência pela dominação.

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Uma questão que poderia incentivar o debate sobre o tema seria:

(Estamos em “1984” e nem percebemos que a “Revolução dos Bichos” trouxe este “Admirável Mundo Novo” em que vivemos?)

A abordagem das Relações Humanas e suas técnicas “boazinhas” de identificar e atender às necessidades dos indivíduos trabalhadores seriam, na verdade, uma “conversa fiada”, um discurso de poder simbólico dissimulado, uma perversa “lavagem cerebral” com a intenção de conduzir o trabalhador a “vender a alma e vestir a camiseta”, fazê-lo “amar a servidão”, domesticá-lo e desmobilizá-lo sem que ele perceba, prevenindo e evitando assim conflitos de interesses na organização?

(Oh, que mundo cruel!)

24/05/08

Conceito: C

(ah, mas tava tão legal esse texto...) :-(

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NOTAS DA AULA DE 30/05/2008

PODER

- As abordagens dos textos eram independentes. Apresentam conceitos DIFERENTES de poder. :-}

- Pode-se agrupar:

* Lukes uni e bi

* Lukes tri e Foucault Vigiar e Punir

* Foucault História da Sexualidade e Bourdieu Poder Simbólico

* Bourdieu Poder Simbólico e Bourdieu Sociologia Reflexiva

- Lukes uni e bi - supõem que todos os indivíduos têm acesso à arena decisória

- Lukes tri e Foucault Vigiar e Punir - dizem que não são todos que têm acesso - os indivíduos DISCIPLINADOS estão condicionados e nem pensam em seus interesses

- A visão RADICAL do poder - o que as pessoas QUEREM pode ser produto de um sistema que opera contra os interesses REAIS delas - considera não só a influência e o processo de decisão - mas pode ser exercido pela coletividade (grupos, instituições) que podem impedir a própria COGITAÇÃO do tema :-(

- Panóptico é uma metáfora - poder DISCIPLINAR! - individualização das pessoas (sem comunicação) - sem conluios! - abaixo a coletividade e o aprendizado - o "sistema" vigia os indivíduos, que introjetam a disciplina - impedindo até a cogitação - o poder ainda está na estrutura (não nas pessoas)

- Foucault História da Sexualidade - "o poder está em toda parte" - A categoria que aparece só agora é a RESISTÊNCIA - para ele, só há poder se houver resistência - esta abordagem não se relaciona com a do panóptico :-(

- Resistência é diferente de conflito, porque a resistência pode não se manifestar (cínica, pacífica...)

- Bourdieu Poder Simbólico - reconhecer onde o poder está e é mais ignorado - poder simbólico - NEGA que o poder esteja em toda parte - linguagens - estruturantes e estruturadas

- Os símbolos (mercado, igreja, gerencialismo, discursos...) são meios/instrumentos de integração social pelo (con)senso (comum)

- Produções simbólicas como instrumentos de dominação - papel da cultura para criar DISTINÇÃO (posição elevada na hierarquia social de classes) entre a cultura dominante e as subculturas (Dica: filme "O Gosto dos Outros") - aspectos da cultura dissimulam essa distinção da classe (SUBculturas) - violência simbólica ocorre quando há poder de uma classe sobre outra - cada campo social de poder tem um corpo de ESPECIALISTAS (cientistas, pesquisadores também) na produção do poder simbólico - devemos combater/livrar-nos d o senso comum (hermenêutica) - poder simbólico faz crer / e é reconhecido

As pessoas obedecem (Weber :-}) porque há violência simbólica. Estudar o poder onde ele se mostra mais escondido permite o dar-se conta de como e por que se repetem as relações sociais de poder, e permite a autonomização do indivíduo! =)