Sete Dias
Sete dias. A roça. Campo, mato, córregos... Vou ver de novo as vacas no pasto. Aqueles garotos, que matam cobras sorrindo, com a marmita às costas na hora do almoço. Os cavalos – agora que cresci, acho que não vou cair tão facilmente. Aquele laticínio imenso, todo ladrilhado, com aquelas máquinas fazendo manteiga e requeijão. Vou ajudar os empregados a empacotar a manteiga. Tomar à toda hora aquele leite gelado. Tenho que ser discreto, senão titio pode me recriminar. Administrar aquele laticínio não deve ser mole. Só ele sabe! E a sessão de engarrafamento de qüalada? Ali só tem guria. “Olha o primo do Pedro, ele é do Rio”. “Como, vai? Tudo bem? Sou aquele garoto que esteve aqui por volta de...”
Sete e quinze. Em mais ou menos meia hora estarei em Areal. Ali o ônibus felizmente faz uma parada: é a última esperança para quem está apertado. Que vontade de mijar! Não sei para quê fui tomar aquela laranjada no Rio.
Em Areal já vou sentir o característico cheiro de mato. É a roça. Depois, mais dez ou quinze minutos e estarei no portão da fazenda. Com um pouco de sorte, não passo por baixo da mesa: um bom pedaço de broa de milho com manteiga e café titia ainda deve ter para me dar. Como deve estar o pessoal? Vai ser uma surpresa.
Depois, o mato. Vou pegar o Expresso e dar uma boa caminhada. Agora eles não precisam mais se preocupar comigo. Já posso montar em um cavalo. O diabo vai ser para pegar aquele bicho. Mas, então, uma planície verde, um atalho cortando-a, algumas árvores pequenas. Vou correr bastante. Não uso o chicote. Deixo apenas o freio frouxo... Parece até mentira que eu esteja tão perto de tudo isto. No fim da planície, um pé de goiaba carregadinho. Levo o Expresso para a sombra de uma árvore em frente. Apanho umas goiabas. Sento-me. A relva já não está molhada. Porém, o sol da manhã ainda está expulsando o frio. Música, um rádio. Para que um rádio? Posso ouvir os passarinhos. Na roça eles cantam o dia inteiro. Deito-me. Barriga para cima, olho o céu. Vejo um lago azul, nuvens brancas em volta. Não penso em nada. Não há motivo para pensar. Há motivo para viver e quem vive não pensa. “Penso, logo existo”. Bobagem.
O Expresso come capim. É um cavalo comum, não muito magro. Com arreio, preso ao tronco de uma árvore, parece que come forçado, parece que está trabalhando. Ele livre é mais bonito. Vai para onde quer, pensa quando quer, faz amor quando quer. Mas, se soltá-lo, volto a pé para casa. Não vou conseguir pegá-lo.
Neste primeiro dia quero ficar sozinho. Depois, vai haver tanta coisa: vou caçar, pescar... Quero ainda correr toda aquela fazenda. Em cada passeio com meus primos, em cada pelada que eu jogar com o pessoal do laticínio, uma coisa nova, um regionalismo, uma história de lobisomem... À noite, com meus tios, aquelas metáforas, aquelas brincadeiras, ou, pelo rádio, os desafios sertanejos. Coisa linda: eles começam se xingando em rimas bem feitas e acabam se desculpando cortesmente, cada qual envergonhado da sua grosseria.
Sete dias. Apenas sete dias. Depois, acordar às sete, estudar até ao meio-dia, almoçar, ir ao curso, voltar às seis... No fim da semana, no sábado, uma festinha. No domingo, estudar para a prova de Química no dia seguinte. É bom que pense nisto enquanto estou neste ônibus. Lá, se titia não lembrar o dia que devo voltar...Foi preciso haver a Semana Santa para que eu pudesse vir. Tempo determinado. Sempre a mesma droga.
Oito horas e dez minutos. O ônibus diminui a marcha e pára em frente a um grande portão. Marcos salta. Vê o ônibus acelerar de novo e, sem olhar para os lados, atravessa a estrada de barro. Abre o portão azul: de um lado, árvores altas, eucaliptos; do outro, o barulho misterioso das águas de uma pequena cachoeira; sob seus pés e diante de seus olhos, uma outra estrada de barro para percorrer. A roça, o mato, a vida... Marcos começa a andar.
Rio, 02/08/1967