Passagem / Fotografia / 2015

A cidade do Serro está ali. Vejo-a com seus casarões, com sua gente, com sua natureza, com seu tempo e espaço próprios. Mas não é só isso. Há algo mais forte, mais umbilical que ocorre: eu vivo e revivo em memória o som dos lugares, do vento, dos sinos. Tudo me diz respeito. A casa feia. A casa bem cuidada. O calçamento esburacado. O cão abandonado. Queria que fosse... Mas não é assim com a fotografia. Com a fotografia nunca se idealiza, antes apenas, se revela. E pronto. O tempo está preso ao obturador para sempre. Um dia o belo e o feio serão passados. Como a cidade. Como eu e você. Como o equipamento fotográfico. Mas algo de mágico ocorre sempre quando fotografo. Minha alma me reconta e ouço os passos da infância, da adolescência, da juventude. A memória vai se transcrevendo nos pontos de miragem da cidade. Sei cada um deles como no passado sabia de cada quintal com manga, abacate, mexerica, jabuticaba, bacupari. Meus olhos sabem olhar a cidade com sua arrogante beleza de trezentos anos por causa do tempo que passamos juntos, em calendários idos. Ela, como eu, tem pele, cansada, como a minha, em rugas, como a minha, tantas, hoje. Por isso, a cidade e eu nos conhecemos, estamos ligados com raízes profundas. A você que agora lê e vê um aviso: todos têm alma em tempo e espaço. Leia como minha alma se conecta à minha cidade. De passagem.