Srta. Chika

Sinopse
- Que Deus a tenha em seu Inviolável Reino! Srta. Chika negou-se a entregar as chaves da necrópole e a morte precisou aguardar sentada duas semanas, ela cerzir sua mortalha - de linho bordado e engolada. De sapatos argênteos foi sepultada por debaixo de um aguaceiro. Os enlutados prepararam para seu velatório uma ceia de gala, uma recepção consagradora com bandeiras brancas e quermesse com orquestra. Srta. Chika adentro portava pedras que não haviam sido abrilhantadas. As abstenções - as deficiências de gentilezas, as explosões e as volubilidades de humor enfureciam-na sempre. Neta de uma latifundiária opulenta, nunca compartiu de versões maldizentes e malintencionadas. Para que a levassem a sério, entretia-se fazendo chalaça até mesmo em ocasiões não propícias. E sem artifícios, sempre chegava para ir embora. Tinha conseguido a palma. Os seguidos governos nada realizaram... Então, no dia dos defuntos - Srta. Chika embolsou um livro na gabardina, tomou a valise e o ar insensível do anoitecer bateu-lhe por inteiro. Acumulou parco dinheiro e raras virtudes. Fez seus fundos à força e resolveu sua vida. A bonança tinha adentrado sua casa sagrada. Srta. Chika era de uma sorte cobiçada. A vila nova, na mais notável cidade - tinha um clima de festejo. No centro daquele mundo estava a sua casa, reconhecida pela fragrância das flores de mamoeiro e de manjericão em botões. No quintalzinho que sempre estava em sol, galinhas amarelas e nutridas. Com a fresca da tarde, depois que dormia a sesta numa cama de lona em um repartimento qualquer - lia até ser distraída pelo som das festividades noturnas. Enchia de pães açucarados o aborrecimento das horas mortas e o vazio. Habituou-se aos desconsolos e aos temporais da vida, e os encarava com facilidade. Com seus contados rendimentos de arquiteta juramentada seguia vivendo em Riachuelo dos Porcos. O dinheiro da feira dava para só um dia. O mundo tornava-se curto e descansado. Comedir a inveja dava-lhe muito trabalho, então não o fazia. Era conhecida pela sua desonradez e maldade. Sem medalha de excelência e sem referências, não era dona de nada e por pouco também que não era nada. Sua dificuldade com a existência era insolúvel e seus textos com juízo pouco, mas a singeleza reinava. Quando se afligiu pela sua sanidade iluminada pelo diabo, Deus não a chamou. Então impôs a si própria algumas incumbências: Não saía de casa sozinha depois das seis da tarde, renunciou de seus dias desprezíveis e inventou uma cirurgia no pensamento. E permaneceu lúcida até ficar muito velha. Ardeu em fogo numa inesperada paixão por um aviador alemão e não podia suportar as ânsias desenfreadas de estar com ele a toda hora. Nem se recordava de ninguém mais adorável. Mais que o compreensível amor sensual, sentia pelo estrangeiro uma admiração assombrosa pela sua idiossincrasia em frente à contrariedade. Foi um grande fracasso, uma grandiosa frustração. Quando sofreu uma pane na cabeça e ficou louca de pedra e sem alma. Andava com as lágrimas entaladas na garganta e o espírito à deriva, em noites de espantosas tempestades - largada, nas vias mortas - e sem escudo. Bancava a tonta e burlava ilusões. Com os olhos ásperos e gelados - sua vida se ausentava e com um bufar de dragão, destruía-se pouco a pouco em meio a doces soluços naqueles paradeiros sem Deus e sem resolução. Era levada ao sabor dos quatro ventos e má vida gozava. Estava nem num nem noutro mundo, estava três passos atrás. Não queria saber de nada com nada, nem sabia o que fazer dela mesma. Queria era ficar afogada na farra toda a vida. Percebia crescer dentro dela o coração asfixiado de pavor e sentia o sopro da morte. Seu perverso e pobre estado de alma de cavalo impressionava e tinha muitas das coisas que se necessita para morrer. Tudo espatifado. Muitos se enredaram para sempre com a própria sina. As delícias dos os quintos dos infernos e os cruzes do firmamento. Evane Picoli Ago-Set-006
Autor:
Evane Picoli
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Enviado por:
Evane Picoli
Enviado em:
07/12/2006