Srtª Ânjela

Sinopse
A mofina antecâmara estava em meia-luz e da janela se via a catacumba festiva na qual Srtª Ânjela se conservava. A sentinela abaixada, guardava-se à margem. Durante anos sumiu num enredo de incertezas. Em seus andamentos na noite, era vista atrás dos féretros sem cruzes e - malvista em companhias de perdição e vendas de bêbedos quaisquer. Não tinha alcoômetro que avaliasse o teor do rum de cana doce, com gosto de madeira - que bebia gole a gole com canudinho de papel. Nas noites de domingo, quando emendava com o desjejum da segunda - trucidava-se. Os contrabandistas vendendo elixir de cianureto de ouro, em estojos – para a realidade virar engraçada e simples; e a Srtª Ânjela vendendo a alma mesmo. Nos bairros altos, por leviandade e por pecado ordinário – surripiando residências. O pouco de dignidade que lhe sobrou para viver, ficou sem também. Sua história não tinha graça. Sua vida esteve sempre revolta por um emaranhado de urupucas. Amanhecida, avinhada e carunchenta – desmoronava no saimento do Café Santíssimo Virgem que nem uma entidade de outra vida (numa indiscrição de mármore). Dava para ouvir os aplausos dos mortos. Cruzes! Bogotana pura, falava seu pensamento na cara - não disfarçava defronte de nenhuma pessoa nem em influência alguma (também não falava muito a ninguém). Sempre se afigurou insultuosa. Supunha que devia a essência de seu feitio de pensar e de ser às bordadeiras e às ilusões imortais. Tinha renome pela sua desmedida sinceridade. Modificava consoante seus estados de graça. Não existia a mínima probabilidade de ser verdadeira. Nem sequer se congraçava com a vida. Nos primeiros brilhos daquele junho anterior, acendeu fogueiras no quintal dos fundos - rogando a Santo Antônio de Pádua que os caminhos abrissem (nem que fossem a cotovelada). Pensou três vezes: ainda que sem posses visíveis, e ganhando aproximadamente nada - alterou seu fado (resolvendo mudar de vida). Fez a tempo de plantar. Em conversações em grupo, no qual cada um depunha suas ausências - suas dádivas (suas graciosidades e suas lindezas) que se baralhavam com as precisões, os espíritos - os humores e os milagres de todos, que iam embebendo gota a gota a sua adoentada mente. Demandou de algumas semanas para costumar a original e singular marcha. Ela jamais tinha estado num lugar tão pacato. Graças ao torvelinho de contentamento que traziam com eles, pela graça de seus formosos caprichos e por ação dessas boas forças - Srtª Ânjela restabeleceu-se de seus achaques. A desgraça já era passada e apenas estava revocando o evento, e assim lidava com tempos bons e maus. A vida real terminou dando o que por direito lhe pertencia. As lembranças eram acidentais e breves, e os rastros desvanecidos. Com grande alegria, com sorte – com um mundo interno insociável e com uma boa folha corrida de vida tombou do firmamento. Estava bem e com a sagacidade intata para fazer suas diligências particulares. Noticiaram-lhe que tinha passagem branca, tudo pronto para descolar. Essa era sua vida. Envolvida num trapo de linho negro - na missa de domingo ou no concílio de sexta, esposaria-se de um senhorito com vestes primorosas (com um chapéu-de-sol e com o olho de um verde temerário) entrincheirado em seus gostos, seus preconceitos e suas crendices. A única paixão dele sabida era a cinematografia. Os meios não faltaram, uma vez que constantemente foram faltosos. Srtª Ânjela nasceu sem nenhum talento ingênito, na colorida doçaria da distinta vovó que a começar do amanhecer vivia de vender bolos e refrescos - e que pastoreou a sua puerícia. No retiro de uma casa, um reino de mulher. Dependente total da felicidade que nunca teve, em sofrimento – insegura e sem fé de morte natural morreu e foi para o inferno. Evane Picoli Maio-Jun-006
Autor:
Evane Picoli
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Enviado por:
Evane Picoli
Enviado em:
26/07/2006