Por inteiro

— Não conversamos há um tempo, não acha?

— Você queria falar comigo, era só ter vindo.

— Desculpa, o quê?

— Você sabe onde me encontrar.

— Você está sendo grosseiro.

— Não, só fui sincero. Eu nunca saio daqui.

— Deveria.

— Não gosto das pessoas, então por que sairia?

— Para socializar e fazer amigos.

— Não preciso deles. Não sou alguém que busca aprovação. Estou bem sozinho.

— Você precisa deles como todo mundo.

— Não, eu não sou todo mundo.

— Nós fomos criados para socializar.

— Correção: você foi criada para socializar.

— Quando eu disse "nós", quis dizer os seres humanos. Todos precisamos de outra pessoa.

— Discordo. Eu não preciso de ninguém além de mim.

— Enlouqueceríamos na solidão.

— Eu nunca enlouqueci. Na verdade, nunca estive tão são.

— Você só não enlouqueceu porque eu ainda venho te ver.

— E você só vem me ver porque precisa fazer caridade.

— O quê?

— Você não gosta de mim, mas gosta de se sentir bem, achando que está fazendo algo bom. Você não me quer por inteiro, só o meu lado mais patético.

— De jeito nenhum. Eu vim te ver porque somos amigos.

— Não, não somos amigos. Você só se sente bem sendo legal com um cara esquisito. Quer ser bem vista, mas não precisa de mim para isso. Todos já gostam de você.

— Eu tento ser legal e você age assim.

— É assim que eu sou. O que mais eu poderia fazer?

— Ser um pouco educado.

— Eu odeio essa palavra. Eu não estou preso às normas ou regras da sociedade. Eu não preciso de educação, porque isso só serve para deixar os outros felizes e te fazer infeliz. Eu digo o que penso e é por isso que não saio daqui. Ninguém quer me ouvir, mas eu também não preciso ser ouvido, porque não quero isso.

— Todos querem ter outra pessoa para conversar.

— Já disse que eu não sou igual a todos. Eu não preciso disso. Eu tenho a mim mesmo.

— Se sente assim, eu vou embora.

— Então vá. Eu não pedi para você vir.

— Como pode dizer isso? Você é tão ingrato.

— Esse sou eu por inteiro.

— Eu nunca mais vou voltar.

— Então não volte. Sinta-se livre, porque eu não preciso de você.

— Mas…

— …

— …

— Deixa eu adivinhar, mas você precisa de mim porque ser boa comigo te faz se sentir bem consigo mesmo.

— Você é cruel.

— Eu sou realista.

— Eu não consigo suportar isso.

— Eu sei, e você nem merece isso.

— Então adeus.

— Adeus.