Oficina Irritada -Carlos Drummond de Andrade & Maria Thereza Neves
Oficina Irritada
Carlos Drummond de Andrade
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
&
Oficina Irritada
Maria Thereza Neves
Prefiro um bem irado ,nervoso
Desafiando qualquer escritor
Causando asco e temeroso
De já nascer feto debilitado no horto.
Eu quero um soneto no meu túmulo
Mostrando meu desprazer
De ser ou não ser um acúmulo
De só dizer palavras de prazer.
Este maldito,há de em muitos doer
Fazer sangrar entranhas dos poetas,
Sem eu nada, importar ou temer.
Podem ate me pichar, revoltados corromper
Minha revolta ficará lacrada no sempre,
E o enigma para quem tentar me entender.
14/11/12