Pondras
Vou apanhar chuva contrita
Colá-la aos gritos de sede
Na língua por aqui escrita
E esperar que pedra levede.
Na minha pedra o meu sal
Agreste como um silvedo
Dissolve-se no paradoxal
Dilui-se em fino arremedo.
Mas volta a chuva incessante
Ácida a rasgar meus olhos
Espeta neles sonho errante
Sangra o sal nos seus escolhos.
Olhar e ver para quê
Se o sonho erra quem vê?
Se o erro de quem vê não crê
No sonho de quem não vê? Zelda
O que fiz tornou-se em pedra
do passado que não fui.
O que faço é uma queda
deste muro que em mim rui.
Atravesso-o enquanto cai
sem que uma pedra se afaste.
Em mim fica quando vai
p’ra tão longe quanto baste.
Quanto baste p’ra o olhar
com ou sem olhos abertos
como no ar a pairar
entre os mares e os desertos.
E esta pedra em que me embrulho
rola parada cá dentro,
e transforma-se em pedregulho,
comigo a rolar no centro. Krinkelhas
E a rolar vai confiscando
Na razão do pensamento
Areias que vou somando
Ao muro do meu tormento
Neste tormento vendido
Ao preço do sal da pedra
Ninguém se dá por esquecido
Na desdita que lá medra
Como pedra empedernida
Tão dura tal diamante
Esculpida nessa avenida
Que leva o sonho adiante
Rola salta num instante
Se quebra em pedaços mil
Refaz-se como um mutante
Em orvalho cor de anil
E junta-se à chuva antiga
Num ciclo que a mantém
Lava o tormento e mitiga
A fome sem ver a quem.
E o vento forte soprando
Naquelas que lá ficaram
No deserto e mar pairando
Juntou-as e ali tombaram.
Naquele local incerto
Nasceram rosas e agora
O mar fugiu do deserto
Esqueceu delas, foi embora
Rosas que eu agora vejo
Como presentes do mar
Feitas de sal como um beijo
Que se deu sob o luar
E quem nelas se encontrar
Vai saber qual a receita
Elas que são flores do mar
Sal de lágrima perfeita Zelda
Dá-me tudo de mim p’ra mim.
Cria em ti o meu próprio ser.
Faz-me amuleto de marfim
E sê-me a fé que eu não sei ter.
Dá-me sorte, dá-me vida,
Sê as mortes doutras vidas.
Rouba a dor adormecida
Das ainda não vividas.
Acredito em ti por ti
Oferecendo-te existência.
Entre o que olho e o que não vi
Permanece a tua essência.
Mantém-te em mim também
Assim petrificada.
Aqui serás alguém;
Fora serias nada. Krinkelhas
Não…não faças o que te digo
Quero-te livre na essência
Mas quando falares comigo
Que eu veja só transparência.
Se a verdade é silêncio de cristal
No segredo adivinho a cor rubi
Trovas são como rochas de coral
Suas letras brilhantes que eu já vi.
Nessa cor do dia todo entardecido
Na noite apressada em chegar ao dia
Diluem-se tintas num espelho dorido
Feito em cacos mil numa mão vazia.
Cacos de cristais pintados a sangue
Nas searas de algas trazidas pelo mar
Onda a renascer numa voz exangue
Que nos diz afasta daqui esse olhar.
De tanta pedrada solta de mãos cheias
De nada rasgadas por gretas da vida
Partiu-se a terra toda em finas areias
Restando sementes de vida perdida
Como ovos brancos paridos pelo mar
Lançados no ventre da areia quente
Encontro nas dunas seixos a lembrar
Aparentes vidas dessa terra ausente.
Na praia perdida estala a voz ausente
deixando na água milhões de sinais
E as ideias soltas na areia quente
Desenham no chão estrelas casuais.
Tesouros legados que brilham na terra
Em campos esmeralda de verde sem par
Safiras no azul que a noite descerra
Rubis em papoilas que fazem sonhar.
Flores eternas que na terra vão ficar
Com perfume da verdade já sabida
Por todos que a fizeram germinar
Nessa rocha de pedra amanhecida.
Por isso eu aqui espalho esta certeza
De que pedras são sementes do trovar
Aqui postas como cristais de pureza
Que me dizem essa pedra eu vou amar. Zelda