André Anlub e Rogério Camargo 194

A borboleta pousou na haste da grama como quem anuncia um encantamento. Sobre ela pousaram meus olhos.

Asas precisas que são como uma bailarina dançando de frente ao espelho.

Asas em repouso, como a respiração de um gigante prestes a partir para a aventura de salvamento do mundo.

Dois olhos alertas que não piscam, mas às vezes se escondem e se beijam num clandestino segredo sem fim.

Há todo o pulsar no universo na presença diáfana, forte na delicadeza, imbatível na fragilidade.

Meus olhos agora também não piscam com a vinda sorrateira e silenciosa de um grande iguana.

Iguanas comem borboletas. Iguanas estão comendo borboletas a toda hora, sempre que há borboletas para comer. Mas aquela eu via. Aquela era “minha”.

Mas o que seria meu que não fosse de um todo, do mundo? Quem seria eu se atrapalhasse a refeição de alguém?

O iguana não vê o que eu vejo. Eu não vejo o que o iguana vê. Eu não como borboletas. O iguana não faz poemas baseado em fragilidades.

Ele é filósofo pacato de ressalvas antigas, e nas horas vagas gosta de relaxar meditando entre as folhas de urtiga.

O que vaga entre uma hora e outra de um iguana? Não sei. O que vaga entre um almoço e outro de um iguana? Não sei.

Especular as duas vidas que não vivo, me faz especular minha vida e descobrir o inócuo oportuno e abstruso vazio.

Como vazio está meu estômago. A borboleta que me perdoe, mas o exemplo do iguana é irrefutável. Despeço-me da beleza para encarar o prosaísmo.

Rogério Camargo e André Anlub

(3/7/15)