André Anlub e Rogério Camargo 191

Olhos cor de mel, boca gosto de mel, personalidade um mel... Mas é abelha.

Abelhas não sabem que são abelhas. Ou têm certeza disso? Olhar o favo e ver.

O clima estava propício, os ouvidos todo ouvidos, os zunidos em zum, zum, zum... tudo aberto e irrestrito para outras opiniões.

Que ela não ouviria. Se a flor da laranjeira falasse, talvez. Assim mesmo, num intervalo da faina.

Todos podiam saborear do mel, contemplar a colmeia e o belo flamboyant que servia de sustento a ela. A laranjeira ficou quieta, pois estava com ciúmes pela escolha das abelhas.

Não havia tempo para (nem interesse em) perceber ciúmes, ressentimentos, orgulhos, satisfações. Ela (elas) estava ali para trabalhar.

Vinte e quatro horas eram quase parcas para disposição das trabalhadoras. Às vezes paravam para um ligeiro lanche e, se fosse preciso, uma picada aqui ou acolá.

Abelha, abelha. Só uma centelha ou toda uma parelha de fornalhas vermelhas?

Fez-se então uma tarde incomum (ou nem tanto): abelhas em greve, laranjeira sem laranjas e flamboyant em preto e branco.

Nesse momento os filósofos começaram a discutir toda aquela coisa de mel e doçura, de doçura e mel. Mas esqueceram de chamar os poetas.

Versos de olhos, personalidades e bocas de mel, mesmo não sendo abelhas; versos de centelhas que saem da chama, branda e escorrem do coração, mesmo que o poeta não mais esteja amando.

Nem filosofando a mando de amadores, profissionais, populares ou eruditos. Nada importa nesta colmeia além da necessidade. E o mel é tudo.

As abelhas conformadas voltam a produzir o melado da sua labuta; a laranjeira oferece doces laranjas; o flamboyant se colore e adoça os olhos... Mas e os pensadores, deslumbradores e analíticos?

O mel deles tem tarja preta. Mas há mercado para tudo, neste mundo que as abelhas desconhecem.

Rogério Camargo e André Anlub

(29/6/15)