André Anlub e Rogério Camargo 144

Minha vida foi bater à porta de tua vida e encontrou uma placa “à venda”.

Vi-me vendo o desalento e desafiando a esperança.

Limpei os pés em um tapete ralo e deprimente e com eles pisei num assoalho carcomido de cupins.

Os fins – a meu ver – nunca justificam os meios, mas por acidente veio-me o apego.

Olhei os teus retratos desbotando nas paredes, um resto de flores secas num vaso rachado e meu peito se apertou.

Olhei o corredor longo e extremamente estreito levando àquele quarto abafado e lembrei-me dos nossos corpos ali, sem jeito, fazendo amor.

Lembrei dos cigarros que já não fumo, da “smoke gets in your eyes” ao me perguntar o silêncio o que eu nunca te respondi.

Há absolvição de inocentes? Se há, quero a minha. Nesta história incoerente e nada a ver, tiro o corpo fora e viso que risque o meu ser.

Nenhuma de minhas tatuagens conta melhor esse conto que o ferro em brasa da memória.

Na cozinha o cheiro do guisado – nos armários o da naftalina; na retina a visão das paredes manchadas com a linha de marca d’água das enchentes de rotina.

Mais transbordava minha vida que a água revoltada do rio. Mas me afogava eu em nós do que os desabrigados obrigados a fugir.

Sou o rugir da fera banguela, o vermelhidão da febre amarela; sou o rato no lixo zombando da águia no voo e vou/quero abrir mão desse vínculo baldio.

Retrocedo lentamente, lentamente fecho a porta, lentamente dou as costas à placa aviltante e não volto mais.

Rogerio Camargo e André Anlub

(7/5/15)