André Anlub e Rogério Camargo 138

A dor mora ao lado. E está pensando em mudar-se para mais perto.

Sua agudez é atroz e vem logo atrás sua aptidão de mutação para enfraquecer o alvo.

Muitas faces e a mesma. Muitas fases e a mesma. Imutável no diferente sempre.

A dor mora ao lado, mas aparece sempre para pedir uma xícara de açúcar. A dor não é nada vaga, mas ocupa uma vaga enorme.

Leva uma xícara de açúcar, fica para uma xícara de chá. E conta que, se pudesse, não ia mais embora. A dor mora ao lado, mas acha tudo muito longe.

Já está pensando em alugar o quarto vago nos fundos. Não falou nada ainda, mas seus olhos dizem tudo.

Na janela estreita pensa em colocar cortinas, no parapeito um ou dois vasos, talvez pintar as paredes de azul-claro, para doer mais brandamente.

A dor escreve excelentes poesias e também pode ensinar e indicar o caminho certo a seguir.

Há um flerte eterno com o amor, mas vive tranquilamente sozinha; há uma busca perene pelo fim, mas sempre estará presente no início.

Há dor na partida de uma pessoa querida; há dor na chegada de uma doença rara. A dor não vê cara, mas pode ver coração.

A dor só vê coração, quando mora ao lado e quer vir para mais perto. E vem para mais perto. E não sai de mais perto – e de dentro.

Ela deixa um emblemático adendo: a dor nunca morre e morrer não é dor, é salvação.

Tudo isso é enquanto isso. Porque ela ainda não se mudou. Ela ainda mora ao lado.

Rogério Camargo e André Anlub

(1/5/15)