Rivaldo


Rivaldo contado por Celêdian Assis...
 
E poetizado pelo Poeta do Deserto...


      Depois de sentir a arte viva das esculturas, que parecem suar sob aquele sol de uma quentura constante, que parecem zombar do olhar estupefato do turista, que parecem contar a labuta dos artistas, que parecem sorrir e acariciar a quem as percebe além dos detalhes precisos e que as acolhe na alma por tudo que elas têm a dizer, é hora de saborear tapiocas. Não são quaisquer tapiocas, são especialidades típicas das barracas do Alto da Sé. São segredos guardados com arte por aquelas mulheres simpáticas, que encantam e cada qual, com seu tempero ou ingrediente, com os quais recheiam de delícias as suas receitas e seduzem ao mais exigente paladar.
      Anoitece. Hora do encontro dos poetas e de juntos assistirem lá do alto o espetáculo de luzes que se estende de Olinda até o Recife, brilhos de lâmpadas e estrelas, o reflexo delas sobre o mar, pintando uma aquarela de rara beleza e de uma poesia que lhes desafia os sentidos. Depois, momento de descer as ladeiras, íngremes, estreitas, calçadas de pedras escorregadias e irregulares, ladeadas por escadarias. As ladeiras guardam desde a memória de índios expulsos, do suor dos escravos, até a cobiça pela magia do lugar, que deixaram os holandeses e portugueses extasiados e que deixaram uma história que se mantém viva e impregnada em cada detalhe daquele lugar.
      Ladeiras abaixo, hora de vislumbrar a bela arquitetura das igrejas, dos casarões, que assediam o olhar até daquele mais desatento; hora de degustar licores naquela esquina que dá origem a outra ladeira e encontrar o tal Rivaldo, um ser humano raro e em extinção.
      Com uma simpatia ímpar, sorridente, com uma simplicidade encantadora, aquele homem aparentando ter uns sessenta e tantos anos, de pronto se aproximou, apontou logo uma vaga segura para o carro, já foi logo contando sobre os perigos da rua e sobre a sua eficiência em fazer a vigilância. Percebendo o olhar curioso dos poetas, se ofereceu para mostrar o jardim do velho casarão.
      Aquele jardim mais parecia um quintal, ou uma mini floresta e os poetas olhavam maravilhados, enquanto Rivaldo falava da história daquele lugar como se fosse a sua própria casa, com orgulho e alegria. Abriu aquele pesado portão de ferro e apresentou-lhes o cenário deslumbrante que se descortinava por detrás daquelas árvores antigas, de onde se via a cidade que fervilha história. Acompanhando-os passo a passo descrevia detalhadamente tudo o que ele sabia e todo o conhecimento das experiências de uma vida de um homem simples. Apontou-lhes a sacada do casarão e então começou a contar, com deslumbramento, o que acontece naquelas ladeiras durante o carnaval, dos blocos de maracatu, afoxé, de samba e tantas outras manifestações. Já foi logo os convidando para voltarem na próxima semana, quando começaria o carnaval e que os poetas viessem participar da festa junto à sua família, a qual ele traria para assistir dali daquela sacada.
      Ele era apenas o caseiro, o vigia, mas falava com tanta segurança, que parecia ser o proprietário do casarão. Uma figura brilhante, carismática e que tinha soluções para todas as coisas, de um jeito brincalhão, mas os poetas logo perceberam, o quanto ele acreditava em tudo que dizia. Até quando um deles, brincando, falou: - o senhor só não consegue arranjar ovo de pato (macho mesmo), não é? Rivaldo sério disse que não duvidassem, porque ele conseguiria e começou a contar uma história de um lugar qualquer, onde um sujeito tinha um pato que botava ovos...       
    Tudo porque, há mais poesia no coração daqueles que acreditam na simplicidade de suas fantasias, do que ousamos supor.
      A prosa continuou por algum tempo com aquele sujeito tão especial e os poetas se despediram de Rivaldo, com a promessa de que voltariam com um poema, que fosse fiel e retratasse apenas, toda a poesia daquele momento.

      E o poeta agora vai lhes contar as proezas de Rivaldo, seu jeito de agradar...

 
De guarda carros a acendedor de velas, vigia das vielas, domador de feras, maçanetas polidas, tudo pode arranjar, de botijão de gás a moças donzelas, olho de vidro, papagaio e gazela, origami, tábua de frios, lustre a cintilar, bola de bilhar, pedaço de mortadela, areia de praia, fígado com moela, boneca de pano, o seu nome é se doar;

E a poesia que costumeiramente encanta, com as palavras inusitadas e habilidosas que dançam, aquele ser humano surgiu a superar, ser grande com coração de criança, que mesclado ao lúdico nos convida para a sua dança, em meio à selva de pedras, solidariedade esbanja, no mundo onde os metais compram tudo o que há, quiseram os poetas não mais deixar de ser criança, entreolharam-se e continuaram suas andanças, pois, o mundo os convidava para o vil putrefar;

Eis que no mundo encantado de Rivaldo o pato bota ovo, órgão da Prefeitura se transmuta em oportunidade de ouro, para com uma simplicidade astuta, nos estupefar; se as ladeiras com licores soubessem o que se sucede, e os bastidores do coração de um ser sem quaisquer temores, em ser anfitrião em prédio que não é o seu lar, com plantas enfileiradas em abundantes cores, as flores sorridentes distribuindo odores, e aquele ser sorrindo a nos emocionar, emoção advinda de nossos egos questionadores, de como um ser que tão pouco tem, oferta tudo que há.

 
*Rivaldo é caseiro em um prédio municipal de Olinda.
O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas) e Celêdian Assis
Enviado por O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas) em 07/06/2013
Reeditado em 07/06/2013
Código do texto: T4329546
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