CRONOLOGIA DO PECADO
Por: Eugénio de Sá

Quis confessar-me a mim,
Mas tantos pecados tinha acumulado
Que decidi por os menores de lado
Reduzindo uma lista a que não via o fim

Optei p’lo critério selectivo
Com a gravidade a crescer por escalões
Recuei aos anos plenos de emoções
Em que certamente fora inofensivo

Transportei-me à minha mocidade
Lembrando pormenores e coisas complicadas
E um sem número de pequenos nadas
Impróprios de um menino da mais tenra idade

Do acertar de ideias veio a decisão:
- P’ra quê relembrar coisas tão distantes
Vou deixá-las quietas como estavam antes
Pois provavelmente já têm perdão

Chamei p’las memórias da adolescência
Tentando fixar os pecados menores
E Lembrei-me da Joana, da Graça, da Dolores…
Tarefa impossível tal a indecência

Três lustres à frente, bem nos trinta e tais
Senhor responsável de barbas grisalhas
Foram loucos anos, memórias canalhas
Pecados aos montes roçando os mortais

E já nos cinquenta’s, nem tudo mudara
Tantas as cobiças e as fantasias
Alvos mais maduros, carnes mais macias
Tão reais os sonhos que quase as tocara

Chegado aos setenta’s, babado de todo
Ao ver as meninas na televisão
Quase nuas todas, ai, mas que aflição
Por já não poder mexer-lhes… com a mão

E parando agora para reflectir
Desisto, de vez, de me confessar
Paciência, vou mesmo ter de repensar
Se vou para monge p’ra me redimir
Sem poder com os ossos,
Oitenta’s bem dentro,
Quase nas canetas já não me aguento
Venha a penitência:
- mil Avé-Marias e dois mil Pai-Nossos.

&

Cronologia do Pecado (Versão Cordel)
Tere Penhabe

Desta feita trago aqui
segredo a ser revelado
uma bendita confissão
de Portugal veio o fado
contado com galhardia
elegância e maestria
o moço tá endividado.

Diz ele que fez uma lista
que pelo jeito não sei
mas a prosa me parece
o perdão nem merecer
que dá a volta no mundo
sendo pra lá de fecundos
os pecados que o Zé tem.

Resolveu por lapidar
algum pecado venial
não foi de grande valia
seu peso é fenomenal
a lista do desmazelo
noves fora o exagero
liga Brasil a Portugal.

Fez ele uma sacanagem
emenda pior que o soneto
resolveu se perdoar
porque achou ter direito
mas pra bem da verdade
nessa auto caridade
o cidadão enganou feio.

Com os pecados menores
fez pacote caprichado
guardando numa gaveta
para ficar maturado
como se na adolescência
pecado fosse decência
pudesse ser perdoado.

Sapecou a penitência
sem nem pensar duas vezes
mentiras tem pernas curtas
e na lembrança é revezes
vai daí que os seus amores
Joana, Graça e Dolores
vieram cobrar mais rezas.

Dizia-lhe a consciência
tu deixes de ser safado
faças a lista direito
o que mais tens é pecado
tu me deves mil talentos
de todo aquele tormento
que causou com teu guisado.

Mas Zé contemporizou
veja lá como me tratas
que já passei dos trinta
e tenho a barba grisalha.
- O que tenho eu com isso
respondeu-lhe o seu siso,
pagar são favas contadas.

Eu proponho um acordo
desses de pegar ou largar
irás bem até os cinquenta
quando a hora vai chegar
do nosso acerto de contas
que lá bem de trás remonta
e ninguém pode apagar.

Pra ficar no zero a zero
meio século na ativa
pois então vai começar
sua era da tentativa
tenta de manhã e de noite
de madrugada é um açoite
assim vão consecutivas.

Se ficar desanimado
para não desesperar
que não é fim de carreira
uma carta vai pintar
truca logo e pede seis
nem que seja com a Inêz
e corre se precisar.

Nunca fale mal dos outros
nem no teu computador
poupe a língua e os dedos
pode ter muito valor
porque as carnes macias
viram mesmo é heresias
se aos sessenta sobrepor.

É quando vais precisar
de ciência complicada
negar que tens vontade
por conhecer a roubada
pois se entras nessa festa
naufrágio é meta certa
acabas sem cais sem nada.

Zé não chorou de vergonha
mas seu arrependimento
por ter sido garanhão
atravessou vento e tempo
sem nada mais que fazer
o negócio foi receber
de bom grado a sentença.

Hoje beira os oitenta
mas já tem bem uns dez anos
que ao passar por Portugal
todos vêem Zé rezando
kilométrica oração
para noutra encarnação
vir livre do desengano.

Santos, 29.09.2006_19:00 hs
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