Catarina
José-Augusto de Carvalho


O teu último grito
morreu na voz sóbria do suão
Um frémito de dor
convulso
abriu as cicatrizes dos montados

O teu último olhar
a terra disputou ao céu fechado
As lágrimas caídas
nas raízes raquíticas
foram húmus e sangue a palpitar
o alento de outras vidas

A luz fez-se
na noite da distância
cegando os nossos olhos deslumbrados


Do livro "sortilégio", 1986

***

No chão seca, qual papoila, o sangue de Catarina
Maria Petronilho

De Catarina Eufémia,
A corajosa ceifeira
O grito, a justa revolta
O algoz incomodava

Colhia o pão que faltava
Na mesa que o merecia
Na mão que o semeava
E o debulhava na eira
Punhos limpos na masseira
Crosta de ouro na fornalha

Chamava-se Catarina
A que por todos pedia
Mais justiça e reclamava

Uma bala assassina
No chão onde trabalhava
Fez de seu sangue papoila
Ao passo que Catarina

Que era moça trigueira
Seu último olhar lançava
Ao chão seco e dolorido
Do Alentejo que amava!