COM CAIO: TROPEÇO E NÃO ME LEVANTO
Mendigue o que o outro lambe. Queira o resto. Una-se aos odores de seus amigos. Procure se justificar, nos outros, para mim.
No desespero das chuvas; nessas horas pensa em mim, como me recuso — desprezo-me por isso — pensar em você.
Implora e a súplica é medíocre.
A lama em que pisa é límpida antes do toque de seus pés. Não há perdão que limpe, tampouco redenção que lhe prometa o céu.
Intermitente, a chuva não limpa. O cheiro se propaga e me sufoca.
*“Ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo folhas lá bem ao sul e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim: ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens, ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem me comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como eu devoraria você. Ah, se ousássemos!”
Cuspi em seus pés. Tornei-me sujo!
Pensa purificada, eleva-se e me joga na imundície que em você amaldiçoei em acusações.
Chove, tropeço, me sujo e não me levanto.
*CAIO FERNANDO ABREU