COM CAIO: TROPEÇO E NÃO ME LEVANTO

Mendigue o que o outro lambe. Queira o resto. Una-se aos odores de seus amigos. Procure se justificar, nos outros, para mim.

No desespero das chuvas; nessas horas pensa em mim, como me recuso — desprezo-me por isso — pensar em você.

Implora e a súplica é medíocre.

A lama em que pisa é límpida antes do toque de seus pés. Não há perdão que limpe, tampouco redenção que lhe prometa o céu.

Intermitente, a chuva não limpa. O cheiro se propaga e me sufoca.

*“Ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo folhas lá bem ao sul e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim: ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens, ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem me comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como eu devoraria você. Ah, se ousássemos!”

Cuspi em seus pés. Tornei-me sujo!

Pensa purificada, eleva-se e me joga na imundície que em você amaldiçoei em acusações.

Chove, tropeço, me sujo e não me levanto.

*CAIO FERNANDO ABREU

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 09/09/2009
Reeditado em 09/09/2009
Código do texto: T1801098
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