Qual cor tem a dor
TERCETO > Badu,Jorge Linhaça,Guida Linhares e Eugénio de Sá
EM COR LILÁS
BADU
Desenhei um menino que andava sozinho,
pedras cortantes feriam seus pés descalços,
nos percalços do andar desse caminho.
Pintei, rabisquei e apaguei o sol, só assim
percebi que a dor não tem definida cor.
Não é da cor da paz, pois esta o que me traz
é de uma luz tão brilhante.
Discorda da alma, um cristal transparente,
tem um tom qualquer, se eu soubesse
qual é eu diria a você.
Acho que leva rancor, uma marca,
uma mágoa, reflete o incolor da água em
lágrima transformada.
Tão pouco é azul da saudade,
pois essa na verdade, vai sempre doer.
Um rubro escondido que o pôr-do-sol leva consigo, junto a um pedido de
nunca mais sofrer.
Penso ainda que é encardida de sépia por machucar, em um tempo que passou e na fotografia se perdeu e amarelou.
Manchado vermelho corado, sangra o aceno
já esperado, e no negrume de quem
partiu sem poder falar o adeus.
Desfolha seres como nós, assim faz com
a flor, arranca nossas pétalas
roubando nossa cor.
Vejo que poderia ocultar a beleza em cortinas turquesa se bem mais forte a eternidade
não fosse uma certeza.
E quem já aprendeu pode comparar a dor
com a face do amor, esse tem multicor,
que pintou o criador.
Em passos que ficaram para trás, nos
reais traços fortes, realçando em cor lilás.
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Qual cor tem a dor?
Guida Linhares
A dor tem a exata cor
dos meus sentidos maiores
É preta quando te olho
e vejo somente tristeza
É cinza quando te escuto
e sinto frio na alma
É marrom quando te beijo
e siquer sinto emoção
É opaca quando te toco
e vejo que estás distante
É inodora quando
não se desprendem
nossos aromas na
hora maior
Mas meu sexto sentido
me diz que o amor foi embora
e a minha percepção
de tudo o que fomos
e que agora nada mais nos
une chegou ao limite máximo
em que a razão
se sobrepõe à emoção
e nada mais resta do que
sentir a dor
da perda do amor
Santos, SP
17/06/06
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O provador de vidas
Se alguém pudesse decantar
Como um bom vinho, a vida que tivemos
Degustaria os bons e os maus anos
Conhecendo os reveses nos taninos
E as glórias nas castas que criámos
Sabendo, assim, de nós, como de nós falar
Na alegria radiosa da manhã outonal
Ou nas melancolias do nosso entardecer
Residem os aromas, as razões conhecidas
Que marcam as encostas destas nossas vidas
A tons de ouro as venturas, a negro o padecer
Ao esgotarmos a essência, na vindima final
Ergamos nesta taça o brinde que mereçamos
De um néctar bom ou mau, p’lo que deixámos feito
alguém dirá um dia desse vinho que herda
que é uma pobre zurrapa ou uma grande reserva
depende só de nós, se soubemos ter jeito
de ganhar a memória daqueles a quem amamos
Tal como a história de uma vida
A memória da nobreza de uma boa colheita
sobrevive à sua natural extinção.
Eugénio de Sá
Lisboa
Portugal
2005