SERPENTE DE REPENTE

A serpente serpenteia

Pelas eiras e beiras

Rasteja toda festeira

Da cabeça ao rabo

Eu encaro quem desejo

Sibilo oferecida

Meu olhar hipnotiza

A começar por um beijo

Contorce-se inteira

Nas tocas das malocas

Entra nas grutas escuras

Insinuante e astuta escuta

Eu sei de serpentear

Deslizando pelas frestas

Tiro todas as arestas

Quando quiser te ganhar

Prepara e arma o bote

Ai de quem se sacode

Engole o quanto pode

Vislumbra e escorrega

E te absorvo de vagar

Começando pela beira

E sem nada me custar

Pois meu desejo é sugar

Sua língua a governa

Solta a gosma venenosa

Mais se contorce nas esfregas

Entrega-se ao instinto de fera

Meu veneno paralisa

Minhas narinas farejam

No meu olhar de ladina

Nada me sensibiliza

Indo fundo aos labirintos

De sua fome mais faminta

Que não pode ser extinta

Para vir caçar a sua presa

E dos recantos escuros

Emergindo sem piedade

Ao engolir distraídos

Que vivem pulando o muro

Sua sanha não engana

É medonha e esgana

Penetrante se assanha

Inoculante a soltar veneno

E meu prazer é intenso

Apertando sem parar

E a caça imobilizo

Conseguindo meu intento

Destila, perfila e desfila

Sua febre peçonhenta

Tão bela e tão nojenta

Se picar ninguém agüenta

Ao ser picado delira

De dor e até de prazer

E quem não me conhecer

Vai pensar que é mentira

Ah! Ser... pente... Ser... penteia

Vai atrás da tua ceia

Fique longe da minha teia

E por favor, não me pentelha

E eu ainda mais me excito

Quando a presa se debate

Chega a brotar uma lágrima

Chego a me sentir bonita

Nem me morda a orelha

Que eu não sou da sua espécie

Nem venha e veja se me esquece

Eu te respeito e faço minhas preces

Não recue nem disfarce

Pois eu sou cobra criada

E se eu for rejeitada

Aí é que me apetece

A ti com as vestes lá do éden

Como deusa liberta que não teme

Morder da maçã por Deus proibida

Para descobrir toda a sua essência

Eu mostrei o bem e o mal

E descobri os segredos

Com um pecado original

Revelando os seus enredos

E desvendar os mistérios da ciência

A desafiar como musa do conhecimento

Soberana ninfa, diva e ninfeta do saber

Castigada e destinada a rastejar seu ser.

Dueto "Serpente de Repente", de Hildebrando Menezes e Lourdes Ramos, com base no poema de Hildebrando Menezes:SERPENTE, em Navegando Amor.Publicado no Recanto das Letras em 10/05/2009

Código do texto: T1585620