QUANDO ESTOU COM FOME
Quando Estou Com Fome
Quando estou com fome, faço poesia,
melhor dizendo, faço algum poema.
Porque a poesia quando me chega,
não quer saber qual a minha fome.
Não quer saber se o meu estômago
está vazio da comida que me nutre.
A poesia, quando me chega, faminta
de expor-se para mim, só quer
que lhe mate a fome de doar-se
para algum poema que decerto
farei, mesmo que sinta outra fome:
a que dói o estômago, a que faz
tremer as mãos, as pernas, a que
dá ânsia de comer, a que dá preguiça
de se pensar em qualquer coisa,
a não ser de matar a própria fome.
Às vezes, até quando estou comendo
ela me chega e me fala baixinho
nos ouvidos poéticos: "amigo poeta,
já estou aqui, bem pertinho de você;
eu sei que você está comendo,
matando a sua fome, mas bem
sabe que dentro de você, existe outra
fome que você gosta de saciar:
a de escrever poemas. Por isso, eu,
a poesia, estou aqui, também
matando a minha fome de lhe doar
algum motivo, alguma visão
que se transforme em linguagem
poética, que vire um poema."
Por fim, durante a minha fome
de comer algum alimento, e a fome
da poesia em doar-se para mim,
a dialética da fome resultou num poema.
Adilson Fontoura