Discurso de lançamento do livro "Nas veredas da caatinga: memórias do sertão paraibano"
Senhoras e senhores, boa noite.
Hoje, sob o manto estrelado do sertão paraibano, reunimo-nos para o lançamento da obra Nas Veredas da Caatinga – Memórias do Sertão Paraibano, um relicário de lembranças, um portal que nos transporta a tempos imemoriais, ao coração do sertão, onde ressoam vozes do passado, histórias de bravura, resiliência e amor a terra. Cada página é um testemunho da fibra do povo sertanejo, um povo que se fez forte entre a aridez da caatinga e os desafios impostos pela natureza.
Mas este livro é, acima de tudo, um resgate. Um resgate da memória cultural, da genealogia de famílias que desbravaram o sertão, que o fizeram lar, que nele plantaram suas raízes e construíram seus laços. O sertanejo, tantas vezes retratado apenas pela sua luta contra as intempéries, é aqui celebrado em sua plenitude: na simplicidade de seus costumes, na grandeza de seu espírito e na riqueza de suas tradições.
Este trabalho é um testemunho da saga dos Félix, Costa, Galdino e Abrantes, entre tantas outras famílias que encontraram raízes em São Gonçalo, Sousa e arredores, tornando-se parte essencial do sertão. Mas não apenas elas. É também um retrato vivo das transformações que marcaram a região: desde a chegada dos colonizadores portugueses, passando pela pecuária que estruturou as bases da economia, até as grandes obras que alteraram o curso da história local, como a construção do Açude de São Gonçalo.
Entre registros genealógicos e narrativas desenvolvidas, encontramos o pulsar do sertão. Somos transportados ao final do Século XIX e às primeiras décadas do século XX, quando a aridez era um desafio diário e o labor pela sobrevivência uma constante.
Através desta narrativa meticulosa, com detalhes romanceados, este livro busca revelar não apenas os laços de sangue que unem as famílias, com ênfase nos Félix, mas também as tramas complexas que entrelaçam suas vidas às vicissitudes históricas e sociais do sertão paraibano. Cada nome registrado aqui ressoa como um cântico ancestral em honra aos bravos que, mesmo diante das agruras do sertão, ergueram-se em forma de sentinelas inabaláveis da história e da cultura de um povo resiliente e destemido.
Ao folhear estas páginas, encontramos a vida vibrando nas casas de taipa, nos aboios dos vaqueiros, nos serões iluminados por lamparinas onde histórias eram passadas de geração em geração. Descobrimos as grandes famílias do sertão paraibano, os desafios enfrentados por seus patriarcas e as conquistas que ajudaram a moldar a identidade desta terra. Descobrimos, sobretudo, um retrato fiel de um Brasil intenso, muitas vezes esquecido, mas que tem história que clama por reconhecimento e perpetuação.
Desse modo, no âmago das áridas paisagens do sertão paraibano, onde a caatinga esconde segredos antigos entre seus espinhos, pedras e emaranhados genealógicos, despontam figuras como Manoel Félix da Costa, cujo ofício de vaqueiro e bravura diante das adversidades do clima moldaram sua existência em uma caixa de recordações entrelaçadas ao próprio sertão. No outono de 1921, ao sucumbir ao peso dos anos e das adversidades, Manoel deixou o sertão em silêncio. O aboio se calou, o vento murmurou sua despedida, e a notícia de sua morte se espalhou como fogo, comovendo a todos. No enterro, a terra árida o acolheu tal qual um filho, enquanto o sol poente testemunhava sua partida.
Cabe destaque a jornada de José Galdino da Costa, o Dadino, que, aos 19 anos, desafiou a seca de 1915 em uma travessia solitária até o então Distrito de Cabaceiras. Sem dinheiro e guiando-se pelo sol e pelas estrelas, percorreu quase 700 quilômetros em busca de ajuda para a família. A caatinga, ao mesmo tempo hostil e acolhedora, foi sua única companhia. Exausto, mas vitorioso, retornou, garantindo a sobrevivência dos seus e eternizando sua lenda nas veredas do sertão.
Outro protagonista deste enredo é Pedro Félix, um homem de dons singulares. Curandeiro respeitado, sobreviveu à mordida de uma cascavel e, desde então, tornou-se imune ao veneno das serpentes, dedicando-se à cura daqueles que a natureza castigava. Com fé e rituais peculiares, percorria os sítios levando esperança, seja ao tratar picadas de cobra com café cuspido, seja ao "encanar" ossos quebrados com talos de carnaúba. Além disso, era conhecido por seu ofício de isolar propriedades contra a presença de cobras venenosas, percorrendo as terras com orações e proteção mística. Também músico, seu pífano animava os forrós sertanejos, provando que, no coração do sertão, a fé, a cura e a alegria caminhavam lado a lado.
E como falar de São Gonçalo sem mencionar a epopeia de sua construção? O sertão transformou-se com a chegada dos engenheiros e operários da empresa de construção civil americana, que, em meio às explosões de dinamite e ao burburinho das máquinas, ergueram a barragem que se tornaria um dos maiores marcos do sertão nordestino. Trabalhadores vinham de todas as partes, e famílias inteiras migravam para a região, buscando não apenas sustento, mas também esperança.
Aqui, reencontramos as reminiscências de um sertão que se modernizou: as primeiras linhas telefônicas, o telégrafo, a iluminação elétrica, a casa de força movida a vapor, os barracões que abrigaram centenas de operários. Relembramos as dificuldades, os projetos interrompidos, as reviravoltas políticas que suspenderam e retomaram as obras, até a tão esperada inauguração do açude, em 6 de fevereiro de 1936, com a participação de figuras ilustres como ex-ministro José Américo de Almeida, o jornalista Assis Chateaubriand e o bispo Dom João da Mata Amaral.
Mas o espírito deste livro não é feito apenas de histórias de lutas. Há também espaço para a poesia do sertão, para a beleza das paisagens, para as lembranças de infâncias vívidas em meio ao verde das matas secas e ao dourado dos campos ressequidos. Há a presença de personagens inesquecíveis, cujas vidas foram vinculadas ao destino da região, e seus nomes permanecem vivos, gravados nas páginas do tempo.
Há, nesta publicação, um tributo que se impõe com força e emoção: a memória de minha mãe, Nina. Ela foi a força silenciosa que sustentou nossa família, fonte de amor e sabedoria que nos guiou pelos caminhos da vida. Sua presença, ainda viva em nossas lembranças, ecoa por entre as folhas deste livro como um sopro eterno de carinho e coragem. Cada palavra aqui escrita é um testemunho de sua grandeza, um esforço humilde, mas sincero, de manter vivo seu legado. Sua ternura e sua força continuam a iluminar nossos passos, orientando-nos mesmo na ausência. Esta obra é uma forma de eternizar sua essência no coração do sertão.
Enfim, este trabalho não seria possível sem um compromisso inabalável com a história, sem a pesquisa minuciosa, sem a colaboração daqueles que compreendem a importância de preservar o passado para iluminar o futuro. A cada relato registrado, a cada fotografia restaurada, há um esforço para manter viva a chama da memória sertaneja, garantindo que as futuras gerações conheçam e valorizem suas origens.
E assim, senhoras e senhores, este livro se transforma em uma ponte entre o ontem e o hoje, um legado para os que virão. É um convite para que todos nós, filhos e filhas do sertão, consideremos o valor de nossa trajetória e nos orgulhemos de nossa história.
Que esta obra encontre seu caminho nas mãos de leitores atentos, ávidos por descobrir as riquezas do sertão, suas dores e suas glórias. Que ela sirva de inspiração, de ensino e de celebração para todos aqueles que acreditam na força da palavra escrita, na importância da memória e no poder imortal da cultura.
E, acima de tudo, que este seja apenas mais um dos muitos capítulos que ainda escreveremos na preservação e exaltação da história do nosso querido e amado sertão paraibano.
Muito obrigado!