José Loureiro Lopes, confrade e amigo
Existiu como pôde existir até o desaparecimento da sua sensibilidade: a morte. Recordo substâncias, da sua vida à sua morte, e o que se publicou na minha recente crônica: Loureiro, ao falar de ressurreição.
Habitava, na sua intelectualidade, um amor especial ao poema, à poesia e à música, o que, em termos de ação, propiciava-lhe decisão sobre o que fazer com harmonia, com objetividade, ou por onde começar agir a sua paixão. Contudo, nesses momentos, era também imprevisível ou de demorada decisão.
Fui permanentemente seu companheiro e amigo, de modo quotidiano, na Secretaria de Educação e Cultura do Estado; na FAFIG, em Guarabira, hoje UEPB; na Universidade Autônoma, hoje UNIPÊ e em outras mãos, e na Universidade Federal da Paraíba.
A boa convivência dessas tarefas circunstanciou uma sólida amizade, que se consolidava nas confidências das nossas opiniões e decisões. Numa dessas ocasiões, disse-lhe o repente: “Saber muito é perigoso”. Riu e indagou: Como pode um filósofo, formado na Pontificia Universidade Gregoriana de Roma temer o saber? Ao que respondi: Na PUG, Loureiro, ensina-se, sobretudo, que saber muito torna-se proibitivo... Com que concordou , dando larga gargalhada. Assim nossas conversas se prolongavam.
Depois de ter nascido em Pombal, frequentou Escola Rural daquele Munícipio, onde seu pai Severino era agricultor, e a professora, sua mãe Beatriz; encaminhado foi ao Pré-seminário, que funcionava no Colégio Diocesano de Patos. Seguiu para o Seminário Arquidiocesano da Paraíba, onde também tive a sorte de estudar; para depois continuar seus estudos na Pontificia Universitas Gregoriana, em Roma. Ordenado padre, realizou seu grande feito: deixou a Rádio Diocesana de Cajazeiras para se dedicar exclusivamente à educação, vivendo em João Pessoa. Foi nessa seara em que frequentemente nos encontramos . Inicialmente na elaboração dos quadros curriculares, especialmente de psicologia e de administração, para a incipiente Universidade Autônoma, atual UNIPÊ. Mais precisamente na Direção do Instituto de Psicologia, também do IPÊ; também na Diretoria do Ensino Supletivo do Estado, quando o substituí para ele passar uma estadia nos Estados Unidos. Após criar a FAFIG, em Guarabira, como Diretor, convidei-o para dar aula naquela instituição. Era a primeira Faculdade, depois de Campina Grande, no interior do Estado, o que foi seguido pela Diocese de Cajazeiras, que depois, com apoio de Lynaldo Cavalcanti, federalizou-se. Esses detalhes na biografia de José Loureiro, sob minha companheira observação, demonstra, como testemunho, fiel relato da sua rica contribuição à história da educação na Paraíba.
Foi assessor do reitor José Jackson, quando eu era Chefe de Gabinete da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba; professor do CE, quando exerci a Direção do Centro de Educação, onde também me substituiu na Coordenação do Mestrado em Educação. A essa altura , já se preparava , como Pró-reitor ao cargo de Reitor da Unipê, junto aos demais conselheiros fundadores do IPÊ, Flávio Colaço, dos quais destaco nossos confrades Marcos Augusto Trindade, Manuel Batista de Medeiros, ex-Presidente desta Casa e Afonso Pereira, e o edificante reitor José Trigueiro do Valle, sucedido no dito Conselho pelo nosso confrade Oswaldo Trigueiro do Valle. Esses detalhes na biografia de José Loureiro demonstram, e testemunho, sua rica e inegável contribuição à história da educação na Paraíba.
Ao dizer a maioria das nossas conjuntas atividades, quase concluo ao revelar que, enquanto Presidente desta Casa, no final da gestão de oito anos, estávamos criando, denominado por ele, o LATIN FOREVER , instituto de serviço internacional, para o cultivo, ensino, estudo, leitura e pesquisa da Língua Latina, empreendimento ao qual convidaríamos, com certeza, a participação do grande latinista, o confrade Milton Marques.
Nessa enriquecedora convivência , conheci também como era ele experto na cultura greco-romana, sobretudo no conhecimento do Latim, língua em que lia, escrevia, falava e cantava. De uma memória surpreendente, ao recitar com fluidez versos e versos épicos da Divina Comédia, no italiano de Dante de Alighieri, ou da As Lusíadas, de Camões ou trechos em latim, do filósofo Tomás de Aquino, sobre a liberdade, a ética, a religião, a justiça, o concurso divino na ação humana, o direito e o Bem Comum. Dou voz ao que ele sempre recitava, da Parte do Inferno, do Canto III, da Divina Comédia:
“Per me si va ne la città dolente,
per me si va ne l’etterno dolore,
per me si va tra la perduta gente.
Giustizia mosse il mio fattore;
fecemi la divina podestate,
la somma sapienza e ‘l primo amore.
Dinanzi a me non fuor cose create
se non etterne, e io eterno duro.
Lasciate ogne speranza, voi ch’ intrate”.
Vale citar seus dotes musicais. Somente quando pedíamos para descontração do loisir, tocava acordeom, pandeiro, violão, trombone de vara e, se diante de um teclado ou piano, acompanhava nossas nostálgicas canções sertanejas ou italianas. Em qualquer circunstância, Loureiro era uma desejada e sempre alegre companhia.
E por que morrer? Nosso amigo comum Luiz Andrade, ao falar após a sua Missa de Sétimo Dia, designado pela sua companheira Marília, repetiu o que Loureiro apregoava, nos nossos ágapes mensais, também com participação de Berilo, Zélio Marques e Paulo Andriola: “Nós somos cidadãos do Reino de Deus”. Isso bem definido por Santo Agostinho de Hipona, ao nos dividir em Cidade dos Homens e Cidade de Deus.
Ninguém, nesta Academia, desconhece a semântica das palavras, quando elas têm significado semelhante. Haveria essa correlação entre confraria e amizade? Nosso saudoso amigo e confrade nos faz entender que confrades e confreiras poderiam ser sinônimos de amigos e amigas. Finalizo, compreendendo que Loureiro é sinônimo de desejado imortal confrade; Loureiro é sinônimo de amado amigo.
Damião Ramos Cavalcanti
Academia Paraibana de Letras
Homenagem Póstuma a
José Loureiro Lopes
APL - 19/11/2024