Ontem, 14 de setembro de 2024, tomamos posse na Academia Montes-clarense de Letras o professor Márcio Adriano, Eu, Andréa Martins e Georgino Neto (da esquerda para a direita na foto).

 

Este foi o meu discurso de posse:

 

Ilustríssimo Senhor Presidente da Academia Montes-Clarense de Letras, doutor Edson Andrade. Caríssimos confrades, confreiras, senhores e senhoras presentes, meus amigos, familiares e demais convidados.

 

 Quando me foi dada a honra de ocupar da cadeira de número 13 desta augusta Academia, em mim dois assombros se passaram. O assombro da responsabilidade de estar lado a lado com confrades e confreiras do mais alto nível intelectual, e por não saber se estou à altura deles. O assombro da importância e necessidade de trazer alguma contribuição genuína à edificação do que a partir de hoje terei como lar. Mas todo assombro se dissipou quando imaginei que a Academia Montes-clarense de Letras deve ser possuidora da fome, aquela sugerida por Adélia Prado que não quer a faca e nem o queijo, mas a fome de saber, a fome de dizer e a fome de produzir. E eu estou esfomeada, mendicante, esperando a oportunidade da partilha da palavra. Porque partilhar é enriquecer junto!

A ocupação feminina de espaços como este é de grande importância, e isso me torna esperançosa e confiante de que há muito a ser feito por nossa literatura, e sim, eu quero ser parte disso! Em um primeiro momento informaram-me de que a patrona da cadeira que a partir de hoje ocuparei, seria uma mulher de nome muito conhecido na cidade, a professora Dulce Sarmento, o que me deixou radiante. Entretanto, depois de uma discordância com relação ao nome do patrono, e após a análise dos documentos históricos, soube que eu deveria prestar homenagens ao patrono Antônio Basílio de Paula.

Durante vários anos, a professora Dulce Sarmento foi considerada patrona desta cadeira, devido a um equívoco nos registros, e eu estava muito feliz em homenagear uma professora, musicista, mas sobretudo uma mulher como eu. Então eu não poderia me furtar em dizer de Dulce Sarmento, uma das forças fundadoras desta casa, que eu a  honrarei perante a cadeira 13, assim como meus antecessores o fizeram.

Fui então buscar conhecer Antônio Basílio de Paula, o exato patrono da cadeira 13. Seu sobrenome já dizia muito. Basílio de Paula foi patrono não só neste honroso lugar, mas de uma genealogia tradicional na cidade de Montes Claros, que dispensa apresentações. Alguém cujo legado se estende por gerações. E sua família foi quem teve a bondade de compartilhar comigo um pouco de sua vida, através das amáveis Raquel de Paula e Virgínia de Paula, que não mediram esforços em investigar e oferecer-me material de pesquisa.

Antônio Basílio e seu irmão Joaquim fundaram a firma “Paula e irmão”, para explorar o ramo de comissões e consignações, mas Basílio, diferente do seu irmão, não tinha tino para o comércio e já ocorreu de lhe pedirem: “Seu Basílio, vou querer um quilo de feijão”, ao que ele respondia: “Compadre, melhor comprar lá no Neco que está mais barato.”

Por muitos anos Antônio Basílio foi tropeiro, assim como meu bisavô, João do Cantinho, que lá de Taiobeiras, enfrentou com a tropa uma viagem de seis meses a São Paulo, com aventuras semelhantes às que descobri sobre Antônio Basílio de Paula. Este gostava de escrever o diário da chuva, era ambidestro, falava italiano e era um exímio cavaleiro. Casou-se em Montes Claros em 1903, era Vicentino, presidiu a Associação da Banda de Música, era um amante de cinema, um excelente conselheiro e enquanto coletor, era tão honesto, que permaneceu no cargo independente do partido político que entrasse. Foi um grande homem e muito me honra tecer a ele os elogios por sua vida pautada em predicados reais, que certamente nortearam todos os que vieram depois dele. Faleceu em 27 de dezembro de 1951, mas permanece imortal em razão de seu legado.

O fundador da cadeira de número 13, Sr. José Nunes Mourão, foi uma figura respeitável e honrada, veio do Serro, onde nasceu em 02 de agosto de 1915. Passou a residir em Montes Claros em 1940, trabalhando como fiscal de rendas e posteriormente como advogado e professor. Lecionou em várias escolas e mais tarde, como chefe de gabinete do prefeito Pedro Santos, organizou o Ginásio Dulce Sarmento, do qual foi diretor até 1973, quando passou a exercer o cargo de Diretor da Faculdade de Direito do Norte de Minas. Tornou-se colaborador em diversos jornais e especializou-se como orador. Demonstrava, entretanto, enorme humildade e apreço pelo povo montes-clarense.

O primeiro sucessor desta cadeira foi o professor Danilo Pereira Borges, nosso contemporâneo, alguém que conheci, embora não tenha convivido. Ele foi professor do meu querido esposo nas cadeiras da faculdade de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros. Professor Danilo Borges tomou posse na cadeira 13 no dia 26 de março de 2000, no salão nobre da Faculdade de Direito, laureado pela então presidente, a saudosa dona Yvonne Silveira e prestigiado por pessoas da mais considerada posição no ramo jurídico, ilustres colegas de sua profissão, à qual dedicou-se de maneira contumaz e onde alcançou lugar de destaque por sua competência.

Três nomes me antecedem na cadeira 13. Mas podemos considerar que foram quatro, devido aos muitos anos em que foi atribuído a Dulce Sarmento o patronato. Quatro nomes de pessoas moral e intelectualmente notáveis. Hoje aqui estou, mesmo imerecidamente, e desejo também honrar o seu legado.

A cadeira 13 é muito significativa para mim. 13 é o dia do meu nascimento, 13 é também o dia do nascimento desta Academia, que ontem completou 58 anos. 13 é o número do meu time, o Galo! E há muitos outros números 13 que representam para mim algo de liberdade, algo de grandioso. Por isso estou certa de que será um marco inaugurar minha entrada nesta casa através de um número cheio de significados.

O poder que encontramos na escrita é algo que não se precifica ou se estabelece em dados; é um poder que nos envolve magicamente e que nos arrebata. Para Clarice Lispector e - por que não dizer? - para mim também, escrever é uma necessidade. O transporte do que fala a intuição ao papel é como uma viagem a partes inacessíveis de nós mesmos, é onde o inefável se dá.

“O inefável encontra-se além das fronteiras da palavra”, já dizia George Stneiner. O que é a palavra senão o signo que facilita a linguagem? Que é então a palavra senão um poder aprisionador de sentido? Não seria o inefável encontrado na diafaneidade que aproxima humano e divino? Pois saibamos que o maravilhamento está onde as palavras já não alcançam. O poeta é aquele que consegue extrapolar o cárcere do texto, libertando seu sentido, para que o inefável aconteça. Esta casa de poetas, cronistas, escritores, artistas e intelectuais, deve ser um lugar de maravilhamento. Um lugar para a liberdade, para o encantamento, e um lugar onde haja espaço para o inefável acontecer. Mas não podemos nos esquecer que embora sejamos parte de uma elite intelectual da cidade de Montes Claros, precisamos ser uma casa inclusiva, de portas abertas às minorias que são plenamente capazes intelectualmente de promover a cultura e somar aos nossos desafiantes propósitos. Sou uma mulher que veio a essa cidade para nascer, em 13 de março de 1978, no hospital Pio XII, lembram-se dele? E depois fui viver em Taiobeiras, sendo de lá o meu registro de nascimento. Tenho muito orgulho de ser Montes-clarense e Taiobeirense na mesma proporção, no sentido de pertencimento. E sendo uma mulher sem uma genealogia política, ou tradicional nesta cidade é que considero um grande feito tomar posse hoje nessa distinta casa. Este, com certeza, não é um critério de ingresso, mas quero registrar minha insignificância, diante de nomes tão importantes para a cidade de Montes Claros. Estou honrada porque tornando-me imortal talvez eu não seja futuramente vítima de memoricídio, como tantas mulheres ao longo da história. Sabemos também que o povo preto precisa e merece ser lembrado em casas como esta, assim como as pessoas LGBTQIAP+, assim como as mulheres que fizeram e fazem diferença na sociedade, assim como as povos originários e as pessoas com algum tipo de deficiência. Nós precisamos falar sobre elas, precisamos abrir-lhes as portas, precisamos dar voz a todas as minorias através da nossa literatura.

Espero, senhor presidente, contribuir de algum modo para que pessoas desimportantes como eu, mas que procuram fazer algo de relevante pela sociedade, não sejam vítimas de apagamento, porque suas histórias merecem ser contadas e celebradas. Aqui estou hoje, celebrando o reconhecimento da minha literatura e sei que sou privilegiada por isso. Agradeço profundamente à madrinha Mara Narciso pela indicação de meu nome, após conhecer minha escrita e Edson Andrade pelos esforços feitos para que hoje isso se tornasse possível. Agradeço também à confreira Carla Selene que fez uma brilhante análise de meu trabalho e abriu as portas desta casa à minha literatura, agradeço ao Leonardo Linhares, à Raquel de Paula e Virginia de Paula, pelos luminosos espíritos de colaboração. Quero fazer parte de um ciclo novo, em que a sublimidade da palavra encontre os coração aos quais se destina, e a empatia seja mola de nosso progresso. Não quero e não pretendo envaidecer-me a ponto de ser intolerante ou incapaz de enxergar o outro, porque maior que o ego deve ser o caráter. Amigos queridos, assim finalizo agradecendo pela generosidade da acolhida e por ouvirem meu discurso sem cochilar. Agradeço ainda aos amigos Tony David, Vera Alencar, Rosane Souto e Renato Cardoso, membros da direção do conservatório Lorenzo Fernandez e por extensão a todos os meus colegas desta casa que me abriga desde o ano 2000. Saibam que significa muito receber esse título aqui, onde existo. Agradeço a todos os membros da Academia Montes-clarense de Letras e Academina Feminina de Letras, aos novos confrades Márcio Adriano, Georgino Neto e confreira Andrea Martins por já começarmos em lealdade e parceria nossa trajetória. Aos meus amigos que aqui vieram, especialmente aqueles que fazem parte da Diretoria e que estão sempre torcendo por mim. Minhas amigas e colegas de mestrado. Agradeço aos meus alunos, meu esposo Adalberto e meus filhos Samuel e Vinícius, meus irmãos Giordano e Jonathan e suas respectivas famílias, que são parte de mim. Agradeço também aos meus pais que vieram lá de Taiobeiras para prestigiar-me nessa hora tão importante e ofereço ao meu pai, Josilmar Batista Pinheiro essa honraria que hoje recebo, porque hoje é seu aniversário. Obrigada por tanto, papai! Feliz aniversário! Muito obrigada a todos!