ARTISTA
Quem é Você?
Você não sabe quem sou eu? Vou te dizer que eu sou, mas antes vou te contar uma história. Eu morava no morro. Lá, o Poder Público não chegava. A gente não tinha nenhum lazer. Não tínhamos nada. A violência e o medo imperavam lá no morro. A única escola que havia, era lá embaixo, no pé do morro. Eu não tinha uniforme, pois o Estado não dava. Merenda? Era pão com manteiga e café com leite ou um copo de canjica, enquanto em outras escolas a comida era farta. Mas eu não ligava, eu queria mesmo era estudar. Ser alguém no futuro. Futuro esse que vocês me roubaram. Minha mãe fazia caderno pra mim com folhas de papel de pão que ela pegava na padaria. O Estado nunca me deu um lápis, uma borracha, um caderno. O Estado só sabia dar uma coisa: PORRADA. Dava porrada quando invadia o morro atrás de bandidos. Para ele todos que moram no morro são BANDIDOS. NÓS NÃO SOMOS BANDIDOS... NÃO SOMOS BANDIDOS! Me lembro como se fosse hoje o dia em que o circo chegou ao morro. Todo mundo correu para o terreno baldio que havia atrás da Igreja São José. Eu e meu amigo Fumaça ficamos ali sentados olhando a bicharada, as roupas bonitas, os palhaços. Eu e o Fumaça adorávamos palhaços. No bar de seu João, a gente se divertia com os palhaços. A gente ria muito. Eu Só conhecia circo pela televisão do seu João e agora eu tava vendo um de perto. Ele tava ali no morro e não era o Estado que havia trazido eles. Nós sabemos quem trouxe eles, mas isso não interessa. O povo do morro também precisava de diversão e já que o estado não dava... Quando tudo estava pronto, dois homens saíram em uma moto anunciando com um megafone pelas vielas e becos do morro: “VENHAM TODOS NESTE DOMINGO AO CIRCO DA GRAÇA! Eu e o Fumaça corremos atrás da moto, ajudando eles a chamarem o povo e isso fez com que o moço nos desse dois ingressos. Fumaça era meu melhor amigo. Andávamos juntos, estudávamos juntos, brincávamos juntos. Éramos como irmãos... mais que irmãos. A gente tinha sonhos. Sonhos que vocês mataram... sim, vocês mataram! O dia chegou. O circo tava todo iluminado. Fumaça e eu colocamos a nossa melhor roupa. Minha mãe até passou leite de rosa atrás de nossa orelha. Me senti um verdadeiro galã.O circo estava lotado, quase não conseguimos um lugar. Tudo estava indo bem. O mágico tirando coelho de sua cartola, música ao fundo, luzes forte sobre o picadeiro. Foi quando tudo começou. De repente um tiroteio,um corre corre danado. Pessoas gritando. Era o Estado com sua polícia invadindo mais uma vez o morro. Entraram atirando, Não queriam saber de nada...só atiravam. Eu e Fumaça também corremos. Fui para um lado e quando olhei para trás, vi Fumaça correndo em direção ao picadeiro. Foi nessa hora que ele levou um tiro e acabou morrendo junto com o palhaço que também foi atingido. Vocês mataram meu amigo Fumaça. Mataram seus sonhos. Mataram o palhaço...mataram a alegria e me mataram por dentro. Agora que te contei a minha história, o que vocês querem comigo? Porque me trouxeram aqui?