SÁBIOS PERTURBADOS

Impossível o sábio não ser alguém perturbado, com um limiar de tolerância beirando a zero. Já passei da fase de acreditar na serenidade de um grande pensador ao repassar seus conhecimentos. Eu mentalizava um sábio como uma pessoa de voz suave e tranquila, onde a consciência de sua erudição expressava-se na forma de uma brandura clarividente, ou comoum bom brasileiro pode traduzir de poço de calmaria.

Atualmente minha imagem converteu-se no oposto. Tenho hoje ciência do quanto inexequível é ensinar algo a indivíduos que não querem aprender, que mesmo vivendo situações difíceis, preferem a ignorância de pensar que nada houve, ou que são apenas falácias, esses famosos bacharéis da “escola da vida”, portanto, imagino aqueles mesmos educadores sábios e

filósofos de suas épocas, na forma de mentores irritados, sarcásticos e intolerantes. É humanamente impossível alguém ter tamanha quietude e paciência ao levar um tapa na cara de uma indagação ou contestação infundada de um sujeito tão parvo e boçal.

Categorizei que os sábios são extremamente impacientes, mentalmente perturbados e intransigentes com palpites estéreis que recebiam. A blasfêmia irradiada da sua repulsa, talvez seja o propósito de ter deixado um legado apenas impresso em papel. Desistir da sua infrutífera boa vontade não o faz covarde, o faz um herói.

Como vencer a estupidez se nessa arte o ignorante é exímio?

Os perturbados impacientam-se facilmente com a lentidão alheia e a decepção ao ver ruir seu sonho de difundir em uníssono alguma ideia, extingue a boa intenção, então, reverencio meus professores que de alguma forma um dia puxaram minha

orelha, mas nunca desistiram, pois tenho certeza que, fosse esta a sua meta hoje, diante dos embates que presenciamos, não valeria a pena o esforço.

Viver nesse mundo parasitado por xucros orgulhosos fez-me simplesmente enxergar que a divergência do esclarecimento e cultura não é atribuída a sua heterogeneidade, mas sim ao seu antagonismo: a homogeneidade, justificada pela capacidade da ignorância em fundir-se e adaptar-se. A burrice é cômoda, basta não pensar em nada, ou deixar que alguém pense por você.

Na literatura há uma gama de textos citando célebres mentes portadoras de transtornos, como Van Gogh, Byron, Tolstoi, Tchaikovsky, e outros. Foram mentes brilhantes que detinham variações extremas de humor, manias e fixações. Sinto pena ao fantasiar o pobre coitado do Aristóteles ensinando seus fundamentos da “Lógica” para uma plateia néscia e desestimulante, fico imaginando quanto ódio passou e quantas úlceras gástricas ganhou. Ou alguém ainda crê que só existiram gregos iluminados?

Ensinar é um sacerdócio, no seu sentido figurado Incumbência ou tarefa honrada ou trabalho meritório ou decoroso. (Etm. do latim: sacerdotĭu), mas burrice não, por mais que muitos utilizam essa condição como sacerdócio, burrice é praga.

Hoje discordo plenamente de qualquer citação que faz alusão à intersecção entre o silêncio e a atitude sábia. Pois é, também me decepcionei, eu gostava daquelas frases de autoajuda, mas apaguei todas elas, são puro ouro de tolo. Como alguém pode ser tão sereno frente ao orgulho do ultraje?

Na minha concepção, o famoso “silêncio dos sábios” é a expressão da perplexidade com a estupidez, que de tão desconcertante, deixa-o sem resposta. Talvez também um teste de paciência (contar até dez!) para parecer menos rabugento e assim engolir toda a verborragia que desejam bradar com suas salivas de ódio do bem.

Desviando um pouco do tema (como de praxe), encontrei um relato do filósofo William James defendendo a premissa de que a união do intelecto a um temperamento psicopático gera melhores condições para o surgimento daquele tipo de genialidade efetiva que entra para os livros de história. Os gênios transtornados trabalham a mil, despejando insólitas ideias e dentre elas, há de surgir algo novo e original. Concordo com ele e vou além: tenho como princípio que certa loucura é apenas mais um tipo de desvio de comportamento e de atitudes em uma determinada sociedade. Entretanto, não posso garantir que uma ideia lograda como demente não é a própria razão escondida pelo desdém da nossa “sanidade” coletiva.

A originalidade é algo que requer percepções não usuais, excêntricas ao senso comum e para firmar-se como tal, necessita abandonar caminhos já trilhados. Digo isso pois, quanto mais loucura houver, mais divergente é o pensamento, sendo assim, mais incólumes veredas surgirão, desbravadas pelos devaneios que jorram desse delírio. Como pode ser anulada, sem preconceito, a hipótese de que alguma loucura representa uma forma mais elevada de inteligência? Se uma bela criação nasceu de uma fantasia, qual o argumento?

Finalizo meu texto sugerindo uma reflexão sobre certos conceitos que adotamos e usamos na forma de atitude pseudocorreta. Sintetizo com uma pergunta: Quão correto é deixarmos postulados arcaicos doutrinar ou reger o curso do nosso pensamento? Será que estamos de fato no caminho certo?

Vil Becker
Enviado por Vil Becker em 30/07/2024
Código do texto: T8118585
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