REFLEXÃO – 3º ENCONTRO DE EX-SEMINARISTAS – SEMINÁRIO NOSSA SENHORA DE FÁTIMA - ITAÚNA, MG – 20/JULHO/2024.

• Meu nome é Luiz Gonzaga Pereira de Souza – Moro em Belo Horizonte. Estive aqui, como seminarista, no período de 1961 a 1963.

• Em meu nome e dos que aqui estão presentes, o nosso agradecimento ao senhor, padre Hélio, por estar presidindo esta celebração eucarística com todo carinho.

Inicio minha reflexão cumprimentando os ex-seminaristas e membros de suas famílias aqui presentes. Cumprimento, também, todos que, de uma forma ou de outra, estão participando deste evento e conhecem um pouco de nossa história. Claro que, para esse evento acontecesse, alguém teve que dispor de tempo e paciência para organizar tudo de forma tão perfeita. Não faltou empenho para que tudo corresse da melhor maneira possível. A eles temos muito que agradecer. Não devo citar nomes dos organizadores para não correr o risco de me esquecer de algum.

Deixei, propositalmente, para mencionar duas pessoas que se destacam de um modo muito especial. Um deles, infelizmente, por motivo de saúde não pôde vir aqui, hoje: Dom Mário Clemente Neto, nascido em Itaúna, MG, bispo, homem simples, corajoso e missionário do evangelho, a primeira semente germinada aqui, neste exato lugar. Foi uma pequena plantinha que cresceu, floresceu, produziu e ainda vem produzindo muitos frutos. Outra pessoa, Dom Mosé João Pontelo, nascido em Sete Lagoas, MG, mais um bispo. Homem simples, amoroso e propagador do evangelho. Mais uma semente germinada aqui no Seminário Nossa Senhora de Fátima. A Dom Mário e Dom Mosé nosso carinhoso abraço. Não há a menor dúvida de que esses dois bispos nos enchem de orgulho por fazerem parte de nossa história.

Quero citar com afeto os nomes dos padres com quem convivemos parte de nossas vidas. Já deixaram o mundo material e se encontraram com Deus. Devemos muito a eles: Padres Adriano, Luiz, José, Francisco, Teodoro, Geraldo, Martinho, Cáuper. Alguns padres, sei que não foram citados, uma vez que, após 1963, novos sacerdotes chegaram e eu não estava mais no seminário. Da mesma forma, não podemos nos esquecer de que houve profissionais do ensino, e trabalhadores de um modo geral, moradores de Itaúna, que lutaram aqui, ajudando-nos em nossa caminhada. Foram muitos. Não há como citar nomes. É necessário lembrar-nos, também, com afeto, de alguns companheiros, ex-seminaristas, que já foram chamados por Deus. São eles: José Walter - Baianinho, Wanderlei, Donizete, José Márcio de Oliveira, Antônio Flávio, Hélio Israel, Marcos (Bolão), José Sírio, José Pimenta, Márcio Vilar, William Leite, Miguel César, Pedro Júlio, Divaldo Roque de Meira, Antônio Guedes, José Osvaldo, Humberto Osilieri, Otacílio Nunes Leite, Padre Marinho Rocha, Fernando Cristelli, Francisco Sales Gurgel, Robson Silva Nunes, Fernando R. Santos (Araújos), podendo haver outros. Hoje temos familiares de alguns deles aqui neste evento. Aos demais, nosso abraço fraterno. Com distinção quero citar o Padre Giovanne, da Congregação do Espírito Santo, que continua em sua missão, em Itaúna, não tendo podido, infelizmente, comparecer, por motivo de saúde. Registro, outrossim, com muito afeto, a presença da Professora Yeda de Paula Borges Machado. Carinhosamente chamada de “Madrinha do Seminário”, por estar sempre ao lado dos padres holandeses, auxiliando-os nas demandas que eventualmente surgiam, é uma pessoa respeitada e querida por todos que a conhecem. Tereza Guimarães Lima, também "Madrinha do Seminário", está aqui representada pelo filho, João Cerqueira Lima, ex-seminarista, e sua esposa Angélica. Que aceitem nosso reconhecimento e nosso abraço.

Pois bem. Peço licença aos meus companheiros, ex-seminaristas, para usar, em algum momento, o verbo na primeira pessoa do plural, certo de que meus sentimentos se estendem a cada um de meus colegas. Não pretendo me alongar muito, embora tenha tanta coisa a dizer. Todos nós temos a nossa história. O dia de nossa chegada ao seminário e o dia de nossa saída. Não faltaram lágrimas em muitas circunstâncias, principalmente quando, ainda crianças, caminhando para a adolescência, deixamos, em nossas cidades, nossos pais, irmãos, irmãs, enfim, nossos entes queridos, em busca da realização de um sonho: estudar e ser um sacerdote. É necessário que se destaque que nem tudo foram flores. Tivemos os nossos equívocos. Os padres, seres humanos como nós, também tiveram suas dificuldades, é claro. Mas, no cômputo geral, os benefícios foram muito maiores.

Peço licença para continuar minha reflexão, relatando, brevemente, um pouco de minha história.

No mês de fevereiro de 1961, aos onze anos de idade, cheguei aqui ao seminário. No ônibus, saindo de Belo Horizonte a caminho de Itaúna, não vou esconder: meu coração estava miudinho e, às escondidas, para que o padre João Maria Koyman, holandês, da Congregação do Espírito Santo, vigário de minha paróquia – São João Bosco, em Belo Horizonte - que me trouxe até aqui, derramei lágrimas. Era a primeira vez que deixava meu lar, ficando para trás pessoas que eu tanta amava, principalmente minha mãe por quem tinha especial afeto. Ela, também, ficou com os olhos marejados quando me viu partir. Tinha no coração, estou certo disso, o desejo de ter um filho padre. Qual a mãe que não sonhava com isso? Principalmente naquela época? Cada um sabe direitinho como o coração ficava naqueles momentos tão decisivos.

Ao chegar, meu primo, aqui presente, José Teodoro, apelidado de Espanhol, já estava no seminário, desde 1958. Participava, com brilhantismo, da banda de música comandada pelo Padre Luiz. Permaneci aqui durante três anos. Fiz o Curso de Admissão, primeiro e segundo ano ginasial. Sentia muita saudade de minha casa e de meus pais e irmãos. Mas remava meu barco com coragem. Queria ser padre e sabia dos desafios que viriam pela frente. Fui um bom aluno, tirava notas boas e me considerava muito disciplinado. Porém, no dia 6 de dezembro de 1963, o Padre Adriano, diretor do seminário, aproximadamente às 19 horas ou um pouco mais, enquanto eu lia um livro de Júlio Verne, na sala de estudos, mandou alguém me chamar. Imediatamente me levantei e dirigi-me ao quarto do superior, pertinho do dormitório. “Luizinho”, disse-me ele, “achamos que você não tem vocação e decidimos que deverá voltar para casa.” Tomei um susto enorme. Imediatamente, perguntei se poderia eu ir para outro seminário, tendo ele me respondido que sim, pois, quem sabe, estaria enganado. Não esperava que isso acontecesse. Dirigi-me, pois, ao dormitório, numa grande tristeza, e fui eu arrumar minha mala para, no outro dia, cedinho, voltar para Belo Horizonte. Chorei durante a noite, não tendo dormido quase nada. Não me envergonho de dizer. Não estava em meus planos abandonar o seminário e deixar desmoronar meu tão grande sonho de ser padre. De manhãzinha, o padre Adriano me chamou para ser o coroinha na última missa a que assisti na capela do seminário. Minha mala já estava fechada. Chegando a minha casa, mamãe não sabia por qual motivo estava eu de volta. Contei tudo para ela que, coitadinha, ficou muito triste, mas aceitou. O que fazer? Decidi não ir para outro seminário. Embora naquela época tenha sido um sofrimento para mim, acredito que, mais tarde, teria que tomar minha própria decisão para seguir outros caminhos. Acabei por concluir que o Padre Adriano estava certo. Não tinha eu vocação para o sacerdócio. Dei andamento à minha vida, mudando, pois, meus projetos. Diplomei-me em Letras pela UFMG, em 1972, tendo me aposentado como professor de Literatura e Língua Portuguesa, após mais de trinta anos em sala de aula. Casei-me com Maria de Fátima, constituímos nossa família, trazendo ao mundo três filhos homens: Luigi, 48, Gustavo, 46, e Marcelo, 42. Hoje, com 74 anos, havendo, pois, 60 anos que daqui saí, aproveito, cheio de emoção e alegria, para rever muitos amigos e abraçá-los com carinho.

Agora vou tecer algumas reflexões sobre o que significou nossa passagem pelo seminário. Nossas vidas aqui, nosso comportamento, nossos amigos, os padres que, saindo da Holanda, um país tão moderno e cheio de conforto e riquezas, para tentar formar novos sacerdotes, servindo-nos como guias de nossa trajetória. Sem contar que muitos outros padres holandeses saíam de sua terra como missionários e enfrentavam imensas dificuldades em locais pobres e sem estrutura, nos mais distantes rincões deste imenso planeta.

Tivemos aqui, sem nenhuma dúvida, um período promissor em nossas vidas. Período esse que fortaleceu nosso caráter, nossas convicções, nossa fé, nosso jeito de caminhar para a vida no mundo externo. Saindo daqui, alguns, às vezes, tristes, outros, às vezes, meio inseguros, por concluir que sua vocação não seria o sacerdócio, e abandonaram. Sei que foram decisões difíceis, cada um a seu modo. Diante de tudo isso, ficou gravado no coração de todos nós uma certeza de que a vida deve ser vivida com dignidade e amor, e que ela vale a pena. Cabe aqui o sentimento mais determinante: gratidão, isso mesmo, gratidão a Deus pelo privilégio de termos sido seminaristas e ter recebido tantos exemplos de amor, bondade e afeto, baseados no que Cristo nos ensinou através do evangelho. Não somente através dos padres, às vezes, muito enérgicos, mas de tantas outras pessoas de bem que por aqui estiveram e os dividiram conosco.

Para mim ficou muito evidente que, se hoje somos pessoas honradas e construímos nossas famílias, vencendo os desafios e dificuldades próprias dos humanos, temos que agradecer muito pelo aprendizado da disciplina, do respeito ao próximo, do amor. Conversando com amigos e outras pessoas, temos o orgulho de dizer: “Fui seminarista. Estudei em Itaúna, no Seminário Nossa Senhora de Fátima.” Uma frase posso pronunciar neste momento: Nós saímos do seminário, mas o seminário não saiu de dentro de nós.

Faço, nesta oportunidade, um registro importante. O seminário N. Sª de Fátima não teve continuidade ao que se propunha, a partir de 1970 ou 1971, não sei ao certo, mas continua funcionando neste local o Colégio Santana, oferecendo ensino de qualidade, em Itaúna e, porque não dizer, com reconhecido valor em Minas Gerais e no Brasil. Foi comandado por muito tempo pelo saudoso padre José Wetzel, durante mais de 50 anos, que nos deixou, não faz tanto tempo. Atualmente é dirigido por Márcio Augusto Nogueira Santos e Keóber José Carlos Freitas.

Antes de partir para o desfecho desta reflexão, não poderia deixar de registrar alguns momentos ou situações que vivenciamos e que, para mim, especialmente, trazem muita saudade:

- Ser acordado de manhãzinha, antes do nascer do sol, com o Benedicamus Domino, pronunciado pelo Padre Adriano, após bater palma, e respondíamos Deo gratias.

- A oração da manhã e da noite rezada de joelhos na carteira da sala de estudos. Nosso colega Gil, com sua voz clara e suave, sempre no comando das preces.

- Assistir à missa, diariamente, bem cedinho, na capela; as missas cantadas aos domingos, quando era entoado o canto gregoriano.

- O tilintar dos talheres no refeitório, no café da manhã, no almoço e no jantar.

- As brincadeiras na sala de recreio, totó, ping-pong, banco imobiliário, quebra-cabeças etc.

- A banda de música comandada pelo maestro, Padre Luiz, com lindas apresentações.

- Assistir aos filmes, à noite, cuja projeção era realizada pelo Padre Francisco.

- Os jogos de futebol de campo ou de salão, principalmente à noite, com a quadra iluminada.

- Todos os anos, no dia 3 de maio, comemoração da Santa Cruz, a subida ao ponto mais alto de Itaúna, a 1000 metros de altitude, para a celebração da missa, na Capela de Nosso Senhor do Bonfim. Saíamos do seminário, a pé, de madrugada, antes do nascer do sol.

- Nossa saída para o centro de Itaúna a fim de ir para o clube, quando não havia ainda piscina, ou para assistir à missa na matriz de Itaúna.

- Receber visita dos pais ou parentes, quando eles traziam alguma coisa gostosa e tínhamos a oportunidade de dividir com os colegas de mesa no refeitório.

- O arrumar das malas para, no outro dia, bem cedo, rumarmos às nossas casas para gozar as férias com a família.

Concluindo, deixo meu abraço fraterno a todos aqui presentes, rogando a Deus que nos dê muita saúde, coragem e alegrias para gozarmos o restante de vida que teremos ainda pela frente.

Aos 20 dias de julho de 2024.

LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA
Enviado por LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA em 20/07/2024
Reeditado em 04/08/2024
Código do texto: T8111125
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