Chamamento
Eis que na derradeira hora, no instante supremo da derradeira hora, sem qualquer possibilidade de dar um passo atrás, a situação, ela própria, imponderável, impossível de se prever o desfecho, eis, disse ele, com punhos cerrados e braços erguidos, eu vos convoco à luta! À luta tão necessária e premente, que, sob o risco de nos escravizar, será, com nossa garra, a salvação, nossa e das futuras gerações. Não há espaço para titubear, o vacilo, a indecisão, já fez reinos sucumbirem ao custos de suas vidas.
Não, nunca, jamais! , eu vos prometo meus irmãos, prometo com o que de mais sagrado tenho, minha própria vida, vos prometo, ao primeiro sinal, antes mesmo de soar o clarim que anuncia a guerra, antes desse primoroso por vir, como se ao passo seguinte, antes do último soar dos canhões, não restasse outra possibilidade senão avançar!
Amigos de todas as eras, de todas as nações, passadas e presentes, como o chamado de irresistível canto que não se consegue evitar, vimo-nos, encorajados pelo brio de nossos ancestrais, vimo-nos, amigos de todas as eras e nações, impelidas ao necessário caminhar na disputa, nunca tranquila, nunca fácil, por nossas demandas e necessidades.
E continuou, no mais absoluto impulso, ele próprio surpreso com o que acontecia, continuou, numa espécie de embriaguez momentânea, seu discurso recheado de hepérboles e metáforas. Todos o ouviam. Ouviam com admirável atenção. Não se ouvia um "Q" de sutil intervenção, isso não. Era como se naquele preciso e precioso instante, mais que a possibilidade de um hecatombe, ou, a gosto do ouvinte, poder -se-ia, dizer, esperançoso de um milagre, que, tão logo se encerrasse o discurso, acontecesse de as coisas se ajeitarem por força das palavras. Era como se esperasse o céu se abrir e dele, com sua trombetas, um exército de anjos, conduzidos por uma força suprema, atracasse
à terra e vencesse o terrível mal.
O que são as palavras, perguntou o palestrante ao responder à audiência qual seria a razão primeva da necessidade da luta anunciada a planos pulmões pelo orador.
Esclarecida, num minúsculo tempo possível, que à palavra se deposita, e ela se reveste, de signos e significados próprios para que a palavra assuma sua materialidade em ações ou procedimentos. Não há palavras sem intenção, não há neutralidade, como, igualmente, não há procedimento sem consequências. Noutras palavras, ação e palavra são irmãos siameses.
Imbuído da certeza que falava com a razão, o sujeito retomou, mais contido, porém, com a mesma certeza, e todos, admirados, ouviam.
Encerrado o discurso, o sujeito, como se ante-visse o futuro, eloquentemente, quase teatral, ergueu os braços e bradou: amanhã não pode esperar: hoje é o dia!
A multidão, extasiada, hipnotizada, bradou: amanhã não pode esperar, hoje!, hoje!, hoje!