Discurso de posse na Academia Recifense de Letras
Quisera eu tivesse o dom da voz,
a força da oração, pujante fala!
Houvesse em mim a voz que não se abala,
eu não carregaria a dor atroz
da enorme timidez que o peito cala
e deixa os meus poemas órfãos, sós.
Não fosse eu o meu eterno algoz,
não titubearia nesta sala
e soltaria o verbo, a oração,
não tremeria em bases, como a vara,
e, assim, não temeria estar aqui
em frente a todos vós. Forte emoção
domina o meu semblante, a mente pára
e, com tremor, eu leio o que escrevi.
(“Tremor” - soneto incidental)
Amigos, colegas, que agora eu saúdo
tentando fazer um discurso de posse,
o que é muito difícil, pois sinto um negócio
nas vezes que eu tento, mas sei que não mudo
e só sei versejar. Se me serve de escudo,
lhes peço paciência, mas só sei falar
fazendo poemas, tentando rimar,
e assim vou dizendo o que vem à cabeça
nas horas de aperto, e talvez eu mereça,
pois não é de mim, mas eu vivo a teimar
no ritmo forte que lembra um batuque,
pois essa é a maneira que eu desenvolvi
de fazer um discurso, e jamais me convide
a fazer diferente, pois este é meu truque
e talvez se aproxime de um maracatu
que me envolve as entranhas, que toma meu ar,
e, em vez de uma prosa, prefire cantar
um canto qualquer que me venha à cabeça,
e um canto ligeiro talvez aconteça
e eu siga cantando, pra me acostumar.
Depois desse início, talvez eu comece
o esperado discurso de posse, porque
é isso que esperam de mim. Quem me vê
fazendo sonetos e trovas se esquece
que o tal do discurso precisa de prece
pra quem não domina o mister de falar,
como eu, que aqui ‘stou a tentar discursar,
porque hoje eu assumo nesta Academia
a cadeira que Arlego ocupou. E eu queria
poder sucedê-lo e com ele somar.
Arlego, que foi escritor de primeira,
fazia seus livros, também editava
na Edificantes. Quem o procurava
podia fazê-los também, e na esteira
do grande escritor não marcava bobeira
e escrevia também de maneira exemplar.
Quem dera eu pudesse aqui continuar
as façanhas do grande editor que ele era
e não fique parado, não fique à espera
de um grande galope na beira do mar.
Filósofo, músico, historiador,
com mais de cem livros em muitas vertentes,
chegando a leitores os mais diferentes,
foi artista plástico, foi professor,
mas, antes de tudo, ele foi contador,
depois foi pra Chesf e, pra lecionar,
foi a vários colégios, mas quis dedicar
à literatura seu tempo restante.
Assim era Arlego: alegre, brilhante,
amando essa vida, vivendo pra amar.
Porém Júlio Inácio do Carmo eu só sei
que foi um jornalista, era o Juca Conforme,
só isso que eu sei. Que eu então me conforme
por não exaltar o patrono que herdei
na Cadeira 8, pois sei que é de lei
honrar os seus feitos, seu nome exaltar,
contar sua história, mas falta-me o ar,
prefiro calar-me, mudar de assunto,
deixando seu nome formar o conjunto
de espumas que quebram nas ondas do mar.
Agora permitam que eu fale de mim,
que vou ocupar, com respeito e com zelo,
a Cadeira 8. Eu sou Paulo Camelo
de Andrade Almeida, e assumo hoje, enfim,
lugar entre os pares, e dizem que, sim,
eu sou sonetista, isso eu posso falar,
mas sou glosador, trovador... se deixar,
eu faço outras formas, mas sou imperfeito
e por isso não é meu mister, e eu aceito
que digam, talvez, que eu não sei declamar.
E agora, por fim, eu lhes peço perdão
por ter ocupado esse tempo soltando
palavras ao vento, mas percebo quando
é chegado o momento, e eu paro, senão,
sem saber discursar, vou perder a razão
de ocupar a tribuna e falar sem parar,
cansando quem veio me prestigiar,
porém esse feito agradeço a vocês
e aqui eu termino o que eu penso, talvez,
que seja um galope na beira do mar.