Discurso de posse como Diretor de Centro Universitário
DISCURSO DE POSSE COMO DIRETOR DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
Magnífico reitor da Universidade Federal do Espírito Santo,
Excelentíssimo senhor Vice-Reitor desta mesma instituição,
Senhora Diretora do Centro de Ciências Humanas e Naturais,
Senhor Vice-Diretor eleito do Centro de Ciências Humanas e Naturais
Senhores Diretores de Centro,
Senhores Pró-reitores,
Senhores Chefes de Departamento,
Senhores Coordenadores de Colegiado de curso de graduação,
Senhores Coordenadores de Programas de Pós-graduação,
Senhores deputados presentes,
Prezados colegas, professores, servidores técnico-administrativos e alunos,
Meus familiares.
Meus amigos e amigas, tantos amigos, cujo comparecimento me traz grande alegria, e
que tornam insuficientes as dependências deste Plenário,
Peço que todos se sintam igualmente acolhidos.
Obrigado pela presença de cada um.
Quando eu e o Professor Dr. Iuri decidimos nos lançar a candidatos à Direção do Centro de Ciências Humanas e Naturais, tomamos como base do programa aquilo que é peculiar à formação filosófica: a prática de estabelecer perguntas. Assim, o programa da nossa chapa indicava três questões, que hoje quero me referir ao tomar posse na função de Diretor. São elas: o que nós, professores, funcionários e alunos, queremos para o nosso centro? O que propomos para a nossa Universidade? O que podemos oferecer para a sociedade capixaba?
Penso que nestas três questões todos os presentes nesta cerimônia sentir-se-ão incluídos. Tomar posse em um cargo numa universidade pública, da única deste Estado, não é apossar-se de nada ou estabelecer comprometimentos com interesses escusos ao interesse público. Esta posse só tem sentido na medida em que se torna expressão mais profunda da vida democrática. Essa é nossa primeira meta administrativa. Em razão disso, as três perguntas acima formuladas não são fáceis de serem respondidas, pois dependem do envolvimento de todos os segmentos que compõem a comunidade universitária, da constituição coletiva de escolhas e decisões no contexto de uma sociedade e uma comunidade acadêmica complexas e plurais. Gerir democraticamente os destinos desta comunidade torna-se o desafio que hoje estamos assumindo diante da comunidade acadêmica e da sociedade capixaba a quem devemos a nossa existência.
As professoras Lílian Yakovenco e Marta Zorzal, cujo mandato agora se encerra, no dia 07 de abril de 2004, também no discurso de posse diziam que aquele momento “era fruto de uma luta (...) no processo de construção de um horizonte mais democrático”. Atestavam também que o CCHN, apesar de tantas diferenças, continha muitos pontos convergentes, sendo o principal a motivação “de lutar por uma universidade pública em que o bem público é tratado como tal, como um bem comum a todos os segmentos”, e isso demandava uma gestão coletiva, participativa, transparente e ética”. É nesse mesmo caminho que eu e o professor Iuri queremos nos inserir. Não queremos caminhar sozinhos e nem com poucos abnegados. E mesmo que fosse com poucos, valeria a pena lutar por um horizonte democrático. Isso não temos dúvida. Contudo, é preciso tentar clarear um pouco este horizonte, desvelar seus meandros, aferir suas exigências. Daí as nossas interrogações preliminares à posse.
A primeira pergunta se refere ao que queremos para o nosso centro de ciências humanas e naturais. Somos um conjunto bastante complexo que integra 9 cursos de graduação, 11 programas de mestrado, e 2 de doutorados. Este conjunto situa-se no âmbito de duas grandes áreas do conhecimento: ciências humanas e ciências naturais. Eu e o professor Iuri, oriundos da filosofia e da biologia respectivamente, queremos ser expressão concreta desta união no plano administrativo a partir do vínculo indissolúvel de teor epistêmico entre homem e mundo. É a partir da complexidade de fazeres e da indissolubilidade entre homem e mundo que vamos responder à questão acima. Tendo isso como pressuposto, os vários segmentos que compõem o nosso centro são desde já convocados a se manifestarem sobre isso. Não temos tempo a perder, pois é à sociedade que nos mantém que devemos responder. Ela e tão somente ela é a razão de ser da luta democrática. Não se trata de uma luta pelo poder, mas o colocar-se a serviço daquela que nos mantém e nem sempre sequer fica sabendo o que fazemos aqui nestes prédios.
A primeira tentação é fugir desta pergunta e fazer outra: o que precisamos no nosso centro¿ E foi nesta ganância em inverter a ordem das coisas, colocando sempre em primeiro lugar reivindicações e nem sempre dizendo o que se quer, que muitas vezes perdemos a credibilidade junto a esta sociedade. A pergunta pelo que se precisa e as reivindicações são legítimas, contudo ela não pode estar na frente da anterior. Muitas vezes, para fugir do comprometimento e do engajamento em algum projeto maior de universidade fica-se lamentando apenas sobre o que se precisa, e daí a mendicância administrativa que nos toma tempo e paciência. Entendo que, em primeiro lugar, é preciso verificar o que temos e avaliar sua utilização; em seguida, precisamos responder sobre o que queremos.
Nossas antecessoras afirmavam que o nosso centro “continha muitas diferenças, mas que fazia destas diferenças sua maior força para a construção de um projeto em que os consensos mínimos apareçam”. A responsabilidade administrativa colocada nestes termos torna-se compartilhada. Ganhos e derrotas fazem parte do processo, e não serão méritos individuais, glórias passageiras de uma administração autocrática. No percurso da co-responsabilidade e do compartilhamento de gestão fortalecemos nossas práticas democráticas e seremos muito mais úteis à sociedade.
A segunda questão que queremos compartilhar com os senhores é: o que podemos oferecer à nossa Universidade¿ Esta questão se liga à primeira, pois necessita da explicitação da identidade do Centro de Ciências Humanas e Naturais. O que somos¿ Como disse acima, não somos um amontoado de cursos e atividades. Ciências Humanas e Naturais constituem-se mutuamente, assim como se constituem homem e mundo. Temos muitas diferenças, mas elas são essenciais à nossa existência acadêmica. Seria muito preocupante se tivéssemos um centro de pensamento homogêneo, todo consensual, num contexto de ciências tão marcantes da vida crítica. O que se poderia esperar de nosso centro¿ Abdicar do que nos é peculiar é empobrecer a essência mesma da Universidade. A “universitas” latina não é a “civitas”. Congregar os mais diversos saberes é a razão de ser da universidade. O seu horizonte ultrapassa os limites da cidade. A ampliação deste universo heterogêneo implica em ampliação do horizonte democrático. Não há universidade senão e através da vida democrática. Portanto, no interior de nossa instituição, o CCHN tem uma missão fundamental: ser expressão do capital crítico que ele assume em sua própria constituição. Negar esta riqueza à universidade é comprometê-la.
Por fim, a última questão: o que poderemos oferecer à sociedade capixaba e estados vizinhos¿ Desde 1954, quando esta Universidade foi fundada, ela traz como lema estampado em sua logomarca “Docete omnes gentes”. Escrito em latim acaba sendo negligenciado por muitos. O lema é sempre uma espécie de leme, de guia, de objetivo que orienta o conjunto das atividades. Em português significa “Ensinai a todos os povos”. Esta é sua missão fundante. Este mesmo lema foi primeiro utilizado por Jesus Cristo (Mt 28, 19) como imperativo proposto a seus discípulos para indicar a missão da sua Igreja. E imediatamente seus apóstolos se espalharam pelo mundo abandonando a casa pátria para atingir os mais diversos tipos de cultura e grupos humanos.
Para a comunidade universitária de nossa universidade, a missão de ensinar a todos os povos sempre foi uma convocação a guiar as suas atividades administrativas, de pesquisa, de ensino e de extensão. A missão não se esgota no atendimento a interesses particulares ou demandas de um determinado segmento social. Somos convocados para o exercício de uma atividade democrática, destinada ao conjunto de pessoas que compõe a comunidade capixaba. A missão da Ufes ultrapassa a barreira sócio-econômica na medida em que se abre para o conjunto da sociedade, especialmente aqueles que a custeiam através de seus tributos, mas não usufruem em decorrência do processo seletivo excludente.
Permitam-me citar Cristóvão Buarque: “A política da universidade deve conciliar o máximo de qualidade acadêmica com o máximo de compromisso social”. As instituições produtivas tendem a planejar suas atividades premidas pelo curto prazo. A universidade pública é uma das poucas instituições da sociedade contemporânea onde é ainda possível pensar a longo prazo e agir em função dele. Avaliar as nossas atividades apenas no horizonte do curto prazo é arriscar colocá-la em insolvência, pois muitas de suas atividades transcendem os limites da imediatez. A pressão do curto prazo nos força a adequar a universidade às exigências da lógica empresarial. E logo surge a metáfora economicista com a qual se avalia uma instituição a partir de seus produtos. E qual pode ser o produto de uma universidade pública¿ O caminho é indicado pelo lema que é sua missão fundante. “Docete omnes gentes” nos remete a uma lógica que rompe limites territoriais, de mercados, de ideologias, de culturas. Integra as três dimensões essenciais da universidade: ensino, pesquisa e extensão. A lógica democrática não se reduz às formas internas de organização e representação. Ela se estende para além da Avenida Fernando Ferrari.
Esta terceira questão, na verdade, é a primeira na ordem do compromisso decorrente da missão que lhe constitui enquanto universidade pública e gratuita, ou seja, na ordem democrática. O motivo fundamental de nosso compromisso à frente do Centro de Ciências Humanas e Naturais implica seus destinatários. Professoras Lílian Yakovendo e Marta Zorzal, vocês concluíram o discurso de posse dizendo que o nosso centro acredita na possibilidade de se ter sonhos e sua força está na capacidade de construção destes sonhos. Prezado professor Iuri Drumond Louro, hoje o nosso sonho transforma-se em compromisso. Nossa luta é uma missão. O horizonte em que se insere nossa gestão ultrapassa os limites territoriais deste centro e fortalece os laços do espaço democrático. “Docete omnes gentes”.