Homilia - Quarta Feira de Cinzas 2024
Amados irmãos,
“Hoje, Quarta-feira de Cinzas, começamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se estende por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a morte” (Bento XVI, cinzas de 2013). Um tempo favorável que nos ínclita à oração, à penitência e ao Jejum, à conversão e à caridade com os que sofrem. No nosso País a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lança oficialmente, no dia de hoje, a Campanha da Fraternidade 2024 com o tema “Fraternidade e Amizade Social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8), com o intuito de auxiliar-nos na vivência concreta da virtude da Caridade, do amor ao próximo. O fruto do nosso jejum e da nossa caridade se expressará de forma concreta na Coleta da Caridade no Domingo de Ramos, em favor da manutenção de ações concretas em favor dos menos favorecidos aqui na Diocese e em diversos lugares do Brasil.
Como em todos os anos o Papa Francisco faz sua mensagem quaresmal para toda a Igreja. Neste o Santo Padre trabalhou na sua mensagem o tema “Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”. Escutemos um trecho da palavra do Pontífice: “Deus não Se cansou de nós. Acolhamos a Quaresma como o tempo forte em que a sua Palavra nos é novamente dirigida: «Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da servidão» (Ex 20, 2). É tempo de conversão, tempo de liberdade. O próprio Jesus, como recordamos anualmente no primeiro domingo da Quaresma, foi impelido pelo Espírito para o deserto a fim de ser posto à prova na sua liberdade. Durante quarenta dias, tê-Lo-emos diante dos nossos olhos e conosco: é o Filho encarnado. Ao contrário do Faraó, Deus não quer súbditos, mas filhos. O deserto é o espaço onde a nossa liberdade pode amadurecer numa decisão pessoal de não voltar a cair na escravidão. Na Quaresma, encontramos novos critérios de juízo e uma comunidade com a qual avançar por um caminho nunca percorrido.
“As Leituras proclamadas na liturgia de hoje oferecem-nos sugestões que somos chamados a fazê-las tornar-se, com a graça de Deus, atitudes e comportamentos concretos nesta Quaresma. A Igreja propõe-nos, em primeiro lugar, o forte apelo que o profeta Joel dirige ao povo de Israel: «Mas agora diz o Senhor, convertei-vos a mim de todo o coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos» (2, 12). Começo por sublinhar a expressão «de todo o coração», que significa a partir do centro dos nossos pensamentos e sentimentos, a partir das raízes das nossas decisões, escolhas e ações, com um gesto de liberdade total e radical. Mas, este regresso a Deus é possível? Sim, porque há uma força que não habita no nosso coração, mas emana do próprio coração de Deus. É a força da sua misericórdia. Continua o profeta: «Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia» (v. 13). A conversão ao Senhor é possível como «graça», já que é obra de Deus e fruto da fé que depomos na sua misericórdia. Esta conversão a Deus só se torna realidade concreta na nossa vida, quando a graça do Senhor penetra no nosso íntimo e o abala, dando-nos a força para «rasgar o coração». O mesmo profeta faz ressoar, da parte de Deus, estas palavras: «Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes» (v. 13). Com efeito, também nos nossos dias, muitos estão prontos a «rasgarem as vestes» diante de escândalos e injustiças – naturalmente cometidos por outros – mas poucos parecem dispostos a atuar sobre o seu «coração», a sua consciência e as próprias intenções, deixando que o Senhor transforme, renove e converta.
Além disso, este «convertei-vos a mim de todo o coração» é um apelo que envolve não só o indivíduo, mas também a comunidade. Na primeira Leitura, ouvimos também dizer: «Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada. Reuni o povo, convocai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu leito nupcial» (vv. 15-16). A dimensão comunitária é um elemento essencial na fé e na vida cristã. Cristo veio «para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos» (Jo 11, 52). O «nós» da Igreja é a comunidade na qual Jesus nos congrega na unidade (cf. Jo 12, 32): a fé é necessariamente eclesial. É importante recordar isto e vivê-lo neste Tempo da Quaresma: cada qual esteja consciente de que não empreende o caminho penitencial sozinho, mas juntamente com muitos irmãos e irmãs, na Igreja.
Por fim, o profeta detém-se na oração dos sacerdotes, os quais, com as lágrimas nos olhos, se dirigem a Deus, dizendo: «Não transformes em ignomínia a tua herança, para que ela não se torne o escárnio dos povos! Porque diriam: “Onde está o seu Deus?”» (v. 17). Esta oração faz-nos refletir sobre a importância que tem o testemunho de fé e de vida cristã de cada um de nós e das nossas comunidades para manifestar o rosto da Igreja; rosto este que, às vezes, fica deturpado. Penso de modo particular nas culpas contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial. Viver a Quaresma numa comunhão eclesial mais intensa e palpável, superando individualismos e rivalidades, é um sinal humilde e precioso para aqueles que estão longe da fé ou são indiferentes.
«Agora é o momento favorável, agora é o dia da salvação» (2 Cor 6, 2). A urgência com que estas palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto ressoam também para nós é tal que não admite escapatória ou inércia. A repetição do termo «agora» significa que este momento não pode ser desperdiçado, é-nos oferecido como uma ocasião única e irrepetível. E o olhar do Apóstolo concentra-se sobre Cristo cuja vida se caracteriza pela partilha, tendo Ele assumido tudo o que era humano até ao ponto de carregar sobre Si o próprio pecado dos homens. A frase de São Paulo é muito forte: «Deus o fez pecado por nós». Jesus, o inocente, o Santo, «Aquele que não havia conhecido o pecado» (2 Cor 5, 21), carrega o peso do pecado partilhando com a humanidade o seu resultado: a morte, e morte de cruz. A reconciliação que nos é oferecida teve um preço altíssimo: a cruz erguida no Gólgota, na qual esteve pendurado o Filho de Deus feito homem. Nesta imersão de Deus no sofrimento humano e no abismo do mal, está a raiz da nossa justificação. O «converter-se a Deus de todo o coração» no nosso caminho quaresmal passa através da Cruz, do seguir Cristo pela estrada que conduz ao Calvário, ao dom total de si mesmo. É um caminho onde devemos aprender dia a dia a sair cada vez mais do nosso egoísmo e mesquinhez para dar espaço a Deus que abre e transforma o coração. E São Paulo lembra que o anúncio da Cruz ressoa para nós mediante a pregação da Palavra, da qual o próprio Apóstolo é embaixador; trata-se de um apelo que nos é dirigido para fazermos com que este caminho quaresmal se caracterize por uma escuta mais atenta e assídua da Palavra de Deus, luz que ilumina os nossos passos.
Na página do Evangelho de Mateus, que pertence ao chamado Sermão da Montanha, Jesus faz referência a três práticas fundamentais previstas pela Lei mosaica: a esmola, a oração e o jejum; mas são também indicações tradicionais, no caminho quaresmal, para responder ao convite de «converter-se a Deus de todo o coração». Mas Jesus põe em evidência aquilo que qualifica a autenticidade de cada gesto religioso, dizendo que é a qualidade e a verdade do relacionamento com Deus. Por isso, denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer dar nas vistas, as atitudes que buscam o aplauso e a aprovação. O verdadeiro discípulo não procura servir-se a si mesmo ou ao «público», mas ao seu Senhor com simplicidade e generosidade: «E teu Pai, que vê o oculto, há de recompensar-te» (Mt 6, 4.6.18). Então o nosso testemunho será tanto mais incisivo quanto menos procurarmos a nossa glória, cientes de que a recompensa do justo é o próprio Deus, permanecer unido a Ele, aqui nesta terra, no caminho da fé e, no fim vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para sempre (cf. 1 Cor 13, 12)” (Bento XVI, cinzas de 2013).
Retomo o tema central da mensagem do Papa Francisco para a quaresma deste ano: “Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”. A liberdade não tem preço. A atual revolução cultural que se impõe no Ocidente Cristão quer nos tirar a liberdade, suprimir a fé, fomentar a “cultura da morte” e controlar a pessoa humana completamente. O mundo torna-se cada vez mais um deserto difícil de se atravessar; o Brasil se torna cada vez mais um deserto, onde estamos perdendo a liberdade. Só por um milagre poderemos nos libertar das garras do faraó destes tempos em que se cumpre a profecia do Profeta Isaias 59, 14-15: “A justiça é posta de lado, e o direito é afastado. A verdade anda tropeçando no tribunal, e a honestidade não consegue chegar até lá. A verdade desapareceu, e os que procuram ser honestos são perseguidos”. Está em perigo o esganamento do Estado Democrático de Direito. Rezemos nesta quaresma nas intenções do nosso País e das vítimas de um sistema cruel, corrupto e corruptor que joga nas masmorras inocentes e indefesos em nome da democracia que não existe mais.
“Amados irmãos e irmãs, confiantes e alegres comecemos o itinerário quaresmal. Ressoe em nós intensamente o convite à conversão, a «converter-se a Deus de todo o coração», acolhendo a sua graça que faz de nós homens novos, e de uma novidade maravilhosa que é a participação na própria vida de Jesus. Que nenhum de nós fique surdo a este apelo, que nos é dirigido nomeadamente com o rito austero – tão simples e ao mesmo tempo tão sugestivo – da imposição das cinzas, que dentro em breve realizaremos” (Bento XVI, cinzas de 2013). Nada é maior do que “sermos livres e fiéis em Cristo”; podem até nos tirar a vida como ocorre atualmente em tantos pais da África com nossos irmãos católicos, martirizados por terroristas islâmicos. Podem matar nosso corpo, mas não nos pode tirar a liberdade interior. Somos templos do Espírito e Cristo e nosso Rei.
Acompanha-nos neste tempo a Virgem Maria, Mãe da Igreja e modelo de todo o verdadeiro discípulo do Senhor. Amem!