A Linha Invisível

Esse texto é para 70% dos Brasileiros. Pode não ser para você, pode não servir para sua família ou para seus amigos. Mas serve para quem te cerca: serve para seu porteiro, serve para o(a) motorista da Uber que te move pela cidade, serve para quem te serve o café, serve para o(a) enfermeiro(a) que te atende, serve para quem limpa a cidade.

Existe uma linha invisível acima de nossas cabeças.

Invisível, mas que você pode sentir. Ela é presente o tempo todo. Te atinge todo dia, impedindo que você a ultrapasse. Você já ouviu falar dessa linha, já estudou sobre ela, já soube quem conseguiu quebrar essa barreira e até quem foi jogado para baixo dela de novo. Dependendo do CEP no Rio de Janeiro, essa linha invisível se torna tátil: sim, você pode tocá-la. Ou melhor, ela toca você, com um soco na cara, um empurrão nas costas, uma segurada no braço. Uma discreta condução para fora do recinto. Uma abordagem suspeita.

Essa linha te olha torto. Essa linha não te escuta. Essa linha te discrimina. Essa linha ela mata teus sonhos.

Mas essa linha não é invencível! Não. Há duas formas de vencer essa linha: Ou com muita sorte ou com muita luta. Desconsidere a sorte, ela não sorri para todos. Vamos falar da luta aqui.

Sabe o DIEESE? Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos? Já ouviu falar? O rapper Criolo o cita na música "Cartão de Visita". Um dos trabalhos do DIEESE consiste em um levantamento de salário mínimo nominal e necessário, que é brilhante, com base no valor de Cesta Básica Nacional de Alimentos. Há toda uma metodologia que vale conferir para enxergar de forma mais latente a linha que estamos enfrentando.

Pois bem, em Janeiro de 2023, o salario mínimo nacional foi reajustado para R$1.302,00, sendo que, com base na pesquisa do DIEESE o salario mínimo nominal DEVERIA ser de R$6.641,58. Os economistas que justifiquem a diferença gritante e ABSURDA.

A verdade é que você, 70% da sociedade, está inclusa no salário mínimo. Alguns 5%-10% pouco mais que isso. Enquanto temos uns 5% ganhando muito mais que isso.

Meritocracia? Chama. Vou te mostrar um exercício.

O Mercado de Trabalho procura o funcionário perfeito:

Aquele sem ambição de crescimento e com muito medo do desemprego.

Se você tem entre **20-30 anos**, o Mercado de Trabalho te permite errar. Você entra como Júnior na maioria das empresas, como assistente-auxiliar, como peão mesmo ou como estagiário. Não importa. Você é a base do mercado. E quando digo que você pode errar, é no sentido de que você pode trocar de curso na faculdade. Você pode ser demitido. Você pode não saber outro idioma. Pode entender somente o básico de tecnologia, Excel, etc...

Se você chega aos **30-40 anos**, o Mercado te quer pronto. Pleno. Sem supervisão. O Mercado já começa a se restringir em algumas empresas para você, especialmente na nova leva de unicórnios e startups. Se você não tá pronto, péssima noticia: você tá perdendo o jogo e o tempo está acabando. Você já não pode mais errar e está quase condicionado à regra do Mercado: Você teme o desemprego.

Se você tem de **40-50 anos** deve ser especialista em algo. No mínimo, Sênior. Aqui, tem que ter uma Pós e pensar na segunda graduação. Deve estar solido em alguma empresa ou acumular diversas experiências na mesma função. Do contrário, pode romantizar ai, pode acreditar em matéria de Facebook, cai pra sua primeira formação e quando se formar, vê se te contratam. Acredita que eles vão preferir você de 48 anos no lugar de alguém de 27, ambos recém formados. Acontece? Claro! É comum? Jamais. A realidade é conviver com 2-3 anos de desemprego e desistir indo fazer uma outra função.

Agora, se você chegou nos **50-60 anos**, sem graduação, sem pós, sem especialização, sem um legado, sinto muito. Sua ÚNICA opção agora para vencer a linha é a Sorte. E como disse, ela não sorri para todos.

Se você chegou nesse ponto, a Linha venceu.

E se a Linha vence, esquece. A saída para a maioria dos brasileiros é anestesia. É viver pelo futebol, pela cerveja, pelo Carnaval. Por um fim de semana de sol, na laje, no quintal, na praia. Para esquecer. Agradece pelo que tem e esquece o que quis um dia. Vê na TV lugares que não vai conhecer. Receitas que não vai comer pois precisa contar no dedo o que compra no mercado. E reza por mais um benefício social.

Há quem tome conhecimento da Linha Invisível e comece o bom combate. Há quem viva toda vida sem a enfrentar.

Se você, assim como eu, tomou conhecimento dessa linha e está na luta, te desejo força, coragem, foco. Te desejo determinação. Vá e Vença, como diziam os romanos. Não desiste. Acredita na luta.

Agora, se você leu tudo isso e discorda da existência dessa Linha, pega tua cegueira social, tua hipocrisia classicista e faz esse exercício aqui comigo:

Sálario: R$1.302,00

Aluguel-Base = R$800

Eletricidade = R$150

Água = R$150

Alimentação = R$500

Mensalidade Base Ensino Superior = R$400

Mensalidade Base Plano de Saúde = R$300

Mensalidade Base Academia = R$80

Internet básica = R$100

Transporte Escolar = R$200

...

(a conta tá fechando ai? Eu só peguei os gastos mais básicos e sei que

seu custo de vida é mais caro que isso...

acha mesmo que estamos todos na mesma Linha?)