DOLCE FAR NIENTE
Ao nos depararmos com o anunciado bíblico cuja sentença por Deus proferida contra o homem, a de ganhar o pão com o suor do seu rosto, verdadeira condenação, achávamos absurdo considerar o trabalho a pior das desgraças.
Sabemos que o trabalho lhe é terapia e salvação. Que se lhe falte, ainda que não escasseie o alimento, a consequência é o tédio, o vazio exisitencial.
Conquanto o papel primordial que exerça em nossas vidas, não é prudente usá-lo com um fim em si mesmo ou para locupletação, que gere avidez, onzena, insensibilizando-nos. Ao invés do workaholic, o worklover.
Refletindo a sentença do Creador sobre o contexto atual por que vivemos, o homem não precisa suar tanto, lascar pedras sol a pino para angariar recursos de sobrevivência.
Hoje, a tecnologia facilita-lhe a tarefa. A máquina encarrega-se de muita coisa. Deste advento, perguntamos se há verdade absoluta no que Deus teria dito ou Ele atenuou o sofrimento humano com afazeres mais leves...
À medida que o homem evolui, o progresso realizado impõe reflexões e mudanças. Se por um lado precisa do trabalho como um meio, nem só de pão vive. O trabalho material sendo realizado em menos horas, sobra-lhe tempo para dedicar-se a outras atividades...
Não deixa de ser um desafio a novíssima ordem mundial. Administrar o seu tempo com proveito moral e espiritual, sem buscar somente os mares caribenhos ou o tabuleiro a cartas ou dominó.
Convém abstrair, no entanto, o salário mínimo praticado no Brasil, que afronta a dignidade, porque menos horas trabalhadas possibilita misericordiosamente a procura de mais bico para complementar a renda. Por isso a referência é a de um plano ideal. Não se ignora, na prática, a exclusão de milhares de trabalhadores motivada pelas tecnologias modernas. Efeito colateral do progresso, o que nos remete à velha questão, sem saudosismo: vale a pena ser por ele, incentivando-o, quando não beneficie a todos, ainda que em proporções desiguais, segundo o mérito de cada um? Paradoxal que hoje as melhores condições de trabalho, eterna reivindicação do trabalhador, sejam deferidas, favorecendo mais o empregador, porquanto representam redução substancial de custos: é a lógica do lucro honesto, sem apelação. Portanto, a ferramenta não está sendo apenas renovada.
Segundo o sociólogo italiano, Domênico de Masi, consultor de grandes empresas: “pelo efeito da globalização e tecnologia que reduzem a necessidade de trabalho humano para produzir bens e serviços, disso resulta duas alternativas: redução da força de trabalho, para cada pai que trabalha 10h por dia, há um filho que não trabalha nada. A outra é o corte da jornada, de tal modo que o pai e o filho possam trabalhar 5 horas cada um”.
O espaço mental não explorado é ilimitado. Procede o saudoso Raul Seixas na sua constatação de uso de apenas 10% da sua cabeça animal, o homem, decepcionando-se (com ouro de tolo).
Eis que soa a hora oportuna para fomentar, com sabedoria, arte e plenitude, os anseios de novas conquistas.