Jornada ao Fim
Nossos corpos se tocavam, como o ar toca as folhas de uma árvore ao vento. Nossos olhares se cruzavam vez ou outra; uma par mirando compreensão, carinho e amor, o outro mirando raiva, pré-ocupações e vazio.
Nossas palavras cruzavam o ar, quebravam o silêncio, no início emanando conforto e descanso, depois desacordo, depois confronto, depois nada.
Continuei nos empurrando, de novo, e de novo, e de novo, para mais perto do abismo, enquanto observava, distante do palco, minhas ações.
Havia me separado, há muito, de mim mesmo. Já não reconheci, controlei, e menos ainda vivenciei a casca vazia na qual me tornei, e que destruíra o que eu tinha e o que eu era enquanto meu eu real, constante produto final do meu tempo de vida e manifestação corporal da minha aura, dormia em forma de pó.
A pulverização da personalidade chamou para a festa a postura mental do vazio, e esta segunda transformou em vazio as relações e as vivencias. Após os efeitos do tempo, as relações não mais se relacionavam, e as vivencias não mais eram vividas; as palavras não eram ouvidas, os olhares não eram vistos, as pessoas não eram carne e osso, eu não era mente e alma, e as ações não eram o agir.
Perdido de mim, andei apenas pelo tempo - e nem mesmo este vivenciei - me tornando o que desprezo e quebrando o que amo.
Ao fim da caminhada me observei sacrificando a mim mesmo ao Deus Nada, e sendo absorvido, como recompensa, à dimensão deste.
No início havia conforto, depois desacordo, depois confronto, depois nada.
Quando retornei ao mundo do Ser, este havia se tornado aquele. Me sobrara apenas o que me observei, sem me atentar, perseguindo. Estive ciente das minhas ações durante a jornada, como criatura alheia ao meu corpo, minha história, meus sentimentos, e minhas ações; com uma máscara, em seu lugar por tanto tempo que se cola ao rosto, e acreditei ser o terceiro que vi no espelho.
O vazio recipiente rastejante foi preenchido pelo calor escaldante das chamas da consciência frente às próprias ações, sem emitir luz, sem qualquer brilho que justificaria a dor ao iluminar a escuridão.
No fim, havia nada.
Agora a máscara de cerâmica pregada ao rosto espalha seus estilhaços pelo chão. Seus cacos pontiagudos de remorso cortam as veias e os músculos dos pés que me sustentam.
A vida que observei distante e o não-indivíduo que fui são agora escombros quebrados e tóxicos.
Cabe apenas a mim limpar as feridas dos pés, construir as ferramentas, limpar a bagunça e reconstruir, enquanto as toxinas do passado aos pedaços ainda circulam no meu sangue, distorcendo pensamento e vontade.
- 3º Trimestre de 2021