Ressacas terapêuticas - I

Algumas pessoas riam do meu nariz e orelhas pequenas, combinados a meus lábios grossos. Por isso, eu não gostava do meu rosto. (Loucura, meu rosto é lindo e perfeitamente simétrico, de acordo com os exames faciais de alta resolução recentemente feitos para implantes dentários, o que impressionou o renomado dentista de então, que quase me implora para nunca fazer nada nesse rosto 🥲).

Outras pessoas riam do meu sorriso: os lábios grossos e a boca grande fazem com ele sempre saia farto, ainda que involuntariamente. Por isso, eu também não gostava de tirar fotos sorrindo, e frequentemente punha a mão na boca ao sorrir. (Loucura, meu sorriso farto é um marco lindíssimo de mim mesma).

Outras, ainda, diziam, a plenos pulmões, que minha voz é terrivelmente irritante. Infelizmente ainda tenho certa repulsa por ela e certa dificuldade no traquejo social, por medo de constrangimento.

No entanto, o alvo principal sempre foi o meu corpo. Magricela, apelidos e mais apelidos, com direito até a trilha sonora com uma música da Eliana, que até hoje não gosto nem de ouvir. Por isso, só quase aos 30 estou aprendendo a aceitar (e gostar) do meu corpo, que é super cuidado, bem nutrido, hidratado e visita diariamente a academia mais próxima de casa. Gosto da minha falsa magreza, que faz minhas perninhas grossas, mas noto que ainda me falta uma melhor relação com esta minha casa particular.

Com o tempo, a maturidade e a terapia, acabei percebendo que é comum que pessoas projetem suas próprias frustrações no outro, como verdadeira defesa. Tal o foi com meus traços físicos, tal o é com meus traços comportamentais (a exemplo, no trabalho, por ser eu muito dedicada e gostar de me envolver de verdade no que eu faço e de estar por dentro do que é necessário para o exercício da minha função - como deve ser - há quem diga que eu quero "me aparecer" ou mesmo "tomar o lugar de fulano de tal").

Essa armadilha, portanto, não se esgota na nossa adolescência e creio perdurar até os recônditos da velhice. Frequentemente nos permitimos cair na arapuca de nos moldarmos de modo a caber na expectativa de um outro que, muito provavelmente, nunca terá esgotada em nós a sua projeção frustrante de transferência.

E, em sendo assim, portanto, dado que não nos é permitido mudar ou controlar as ações do outro, resta-nos a permissão bondosa de reestruturar as nossas próprias crenças para lidarmos justamente com os aspectos do outro que não podemos controlar.

Creio que falar bem de alguém pelas costas seja uma boa pedida.

Creio que cuidar da própria vida também.

Mais vale investir energia e tempo aperfeiçoando o que precisa ser aperfeiçoado em nós que gastá-los ambos no outro e, ao que parece, sobretudo se essa energia tem sido gasta em melindres para satisfação egóica através de um rebaixamento covarde, feito, frequentemente, pelas costas.

😉

Mara Raysa
Enviado por Mara Raysa em 19/03/2023
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