SERMÕES
Em um capítulo de minha biografia, por 6 anos fui seminarista. E no ocaso desse capítulo fui convidado a fazer os sermões da Semana Santa em minha terra natal. O ano era 2003 e fiz com gosto e o sabor de quem sabia que seria a última vez. Compartilho aqui, os textos bases desses sermões que escrevia na ocasião, com base na Bíblia, em livros de literatura religiosa e em sermões que tive acesso na época, para que apreciem quem desse gênero é apreciador.
DOMINGO DE RAMOS
As palmas se agitavam, aos pés do Messias as flores e os coros das virgens ressoaram no espaço, repetindo ao som dos saltérios e das harpas:
“De flores e palmas o solo junquemos.
Teçamos coroas de mirto e laurel,
Que hoje abre o céu suas portas
Ao Deus de Israel.”
Queridas irmãs e irmãos, hoje empunhados de ramos nas mãos, sob a fragrância do alecrim, da folha da laranjeira, da palmeira e do incenso, iniciamos a semana santa, a grande semana do povo cristão. Nesta manhã dominical quando o sol brilha cálido sobre nossos ombros damos abertura a semana maior de nossa fé. Durante estes oito dias nossa querida Santana do Jacaré tomará ares da Terra Santa, de Jerusalém. Nossas ruas e avenidas retrataram a mística da via dolorosa, e serão regadas pelas lágrimas das velas que com suas crepitantes chamas avermelhadas farão a iluminação urbana nestes dias santos.
A celebração de Ramos nos introduz na semana santa cujo centro é a memória do mistério Pascal. Jesus entrou em Jerusalém pela primeira vez no colo de Maria, quando tinha apenas 40 dias de vida. E hoje celebramos a memória de sua última entrada na capital da fé judaica aos 33 anos.
Sua entrada se da ao som das aclamações populares: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas! Jesus é o Rei que chega num jumentinho à cidade que será o lugar de sua paixão, morte e ressurreição”.
Embora nossos olhares se fixem no Rei vencedor, a celebração deste domingo faz-nos lembrar os duros combates que deram à Jesus a vitória. A paixão de Jesus Cristo deve significar a vitória para cada cristão. A narração da paixão de Cristo nos leva a valorizar nosso condição de filhos de Deus.
Eis a que ponto chegou o Amor Infinito de Deus pelo Homem. Ele se faz solidário com a própria natureza humana, marcada pelo mal e pela morte. Ele assumiu até o mais profundo todas as conseqüências de sua encarnação e o fez por Amor. O perdão que brota da Paixão não é um mero acerto de contas entre pessoas, mas uma reconciliação que atinge toda a natureza humana. Ela é redimida e libertada de seu condicionamento original (Cl 1, 20).
A comunidade que acompanha Jesus na procissão de Ramos, aclamando-o como Senhor, deve continuar seguindo seus passos também na Paixão. Isto significa assumir a vida e a história, reconhecer o pecado e o mal a partir de Jesus e junto de Jesus. O pequeno ramo simboliza cada um de nós, enquanto queremos permanecer ligados ao tronco principal, Jesus. Desligados Dele, tornamo-nos galho seco, que será jogado fora e queimado: nossa existência fica sem direção, sem força e sem significado, principalmente em suas experiências negativas de mal e de dor. Não existe outro caminho que leve à Ressurreição. Não é o caminho dos milagres e dos privilégios, do poder e da satisfação humana.
A solidariedade de Jesus conosco deve ter como resposta a nossa solidariedade com todo o ser humano que sofre. É a partir da dor dos mais fracos, da paixão de cada ser humano, assumidas no amor, que a vida supera a morte e o amor derrota o mal.
TERÇA-FEIRA SANTA - SERMÃO DOS PASSOS
“Nós, Pôncio Pilatos, governador de toda a província da Judéia pelo sacro império romano; estando no nosso tribunal e sala de audiência; ouvidas as acusações criminais dos sacerdotes, escribas e fariseus, a comoção e clamor do povo contra Jesus de Nazaré; concordando todos e dizendo como auborotou e comoveu toda a cidade e povo, ensinando doutrinas novas contra a lei de Moises; fazendo-se autor duma nova lei; pretendendo levantar-se Rei, e como tal tendo tido o atrevimento de entrar triunfante com ramos e palmas na cidade; e por ter menosprezado a justiça e autoridade do imperador Tibério, proibindo aos vassalos que lhe pagassem tributo; mas o que causa ainda escândalo é que se gloriou e disse muitas e diferentes vezes que era filho de Deus, sendo homem de baixa condição, filho de um pobre artista e de uma mulher chamada Maria”.
Portanto, tendo considerado muito bem, e examinado a verdade das sobreditas acusações achando-se gravíssimos os seus delitos, julgamos que deve ser condenado e sentenciado como de fato o sentenciamos a ser conduzido pelas ruas costumadas da cidade de Jerusalém com uma cadeia de corda no pescoço, levando Ele mesmo a cruz, acompanhado de dois ladrões, para maior afronto, até à montanha do calvário, e ali seja crucificado na sua cruz.
Os dois ladrões estarão igualmente pendente das suas cruzes um à direita e o outro à sua esquerda, residindo no meio como Rei, para que seja exemplo e escarmento de todos os malfeitores e em voz alta pelo pregoeiro, para que chegue ao conhecimento de todos e ninguém possa alegar ignorância alguma. _ Pôncio Pilatos”.
Qual o motivo da condenação de Jesus que o faz caminhar sob o peso da cruz? Não seria por outro motivo senão por amor a nós.Por amor ele se entregou e também para nos atrair a Ele. “ Quando for elevado da terra atrairei todos a mim”, (12, 32) já dissera Jesus. Ele é o motivo de nossa procissão. Filho de Deus, mas também filho do homem, um artesão-carpinteiro carregando uma cruz que não trabalhou.
Condenado pelos judeus como blasfemador, pelos romanos como agitador, traído pelo amigo, vendido pelo apóstolo, mas cercado pelo povo. Contemplando a imagem do Senhor dos Passos vêem mente várias personagens de sua paixão. Dentre essas personagens gostaria de enfocar a de Pôncio Pilatos.
Ele tinha boas intenções! Queria salvar a vida de Cristo, pois não via nele motivo algum que o condenasse à morte. Mas como diz o velho e conhecido ditado: “de boas intenções o inferno está cheio”. Acima de suas boas intenções estava a sua carreira política, deveria zelar por ela. Pode até mesmo vir a ser ministro... Deve considerar que um relatório de Herodes contra a sua pessoa poderia prejudicá-lo para sempre. “E depois disso por ventura sou judeu?” Que se arranjem entre si. “Lavo as minhas mãos!” E não lavamos nós as nossas mãos? Não deixamos de nos comprometermos com o bem, a fraternidade, a justiça e a paz porque já são por demais os nossos compromissos? E Pilatos continua a lavar as mãos no decorrer desses dois mil anos, cometendo o pecado que devemos evitar: a omissão. O que dizer da omissão personificada em Pilatos? Antes de tudo que é um dos pecados mais terríveis que se possa cometer, exatamente por ser o pecado dos que se calam, quando é preciso falar, dos que deixam de lutar, quando é preciso lutar mais, dos que amarram os pés, quando é preciso caminhar, dos que cruzam os braços, quando é preciso estendê-los. È o pecado cometido por aqueles que se preocupam em não fazer o mal mas esquecem de fazer o bem. O pecado cometido por aqueles que podem evitar a violência, a guerra e mas não evitam e sim promovem.
Logo, omisso é quem sabe aconselhar e não aconselha, é quem sabe coordenar e não coordena, é quem sabe escrever e não escreve, é quem sabe cantar e não canta, é quem sabe construir e não constrói, é quem sabe que pode melhorar e mudar e não melhora nem muda de vida, é quem pode amar e não ama. “Pior que uma alma perversa é uma alma acomodada”.
Deus nos livre de sermos omissos! E, como Pilatos, concorrer para, de novo, condenar o Cristo assumindo uma posição de indiferença ante a dor dos outros, de tantos “Cristos” que vegetam, por aí, crucificados por não terem o mínimo de condições físicas, morais e sociais para viverem.
Deus nos livre, meus irmãos, de sermos omissos e permitirmos que mais uma vez o Cristo caminhe rumo ao holocausto. Amém.
Gleisson Klebert de Melo – Semana Santa de 2003
Santana do Jacaré - MG
QUARTA-FERIA SANTA - SERMÃO DO ENCONTRO
Maria estava no senáculo, pois aí seu Filho a havia deixado, quando João, o discípulo amado, chegou com a notícia da condenação de Jesus. No que de súbito Maria exclamou:
_Corramos ao calvário! Quero ver meu Filho!
As santas mulheres e o discípulo amado foram juntos. Maria se colocou na via sacra, num ponto por onde ia passar o Filho.
Ali ficou inerte ansiosamente esperando. Madalena, Maria de Cleófas, Maria Salomé e João rodearam-na. Era em vão querer consolar aquele coração dilacerado.
A gritaria, o barulho ia-se aproximando.
Jesus tinha caminhado mais sessenta passos desde a primeira queda, quando encontrou sua Mãe que fazendo um esforço sobrenatural se lançou aos pés seu Filho.
Alguns solados pretenderam repeli-la com as lanças.
A Virgem sofreu aqueles duros golpes sem apartar os chorosos olhos da triste imagem de seu Jesus amado.
_Filho de minha alma!, exclamou a Virgem Maria, com um desses gritos que só podem sair do coração de uma mãe.
Jesus sereno, pálido e vacilante, dirigiu um doloroso olhar a sua mãe, e disse com voz dulcíssima:
_Salve, Flor de amargura! Salve, Estrela puríssima da manhã! Salve, minha Mãe!
A vida é a arte dos encontros e por sua vez a morte é o resultado dos desencontros.
Há o encontro de um homem e uma mulher para gerar a vida. Há o encontro que une raças, que constrói uma pátria e que identifica um povo. Há o encontro com Deus, que dá significado à vida humana e confere a direção final à sua história, para que não acabe em destruição da vida.
Mas há também os desencontros, que geram a morte, tanto em forma gradativa como de maneira violenta. Há os desencontros entre o homem e a mulher, que matam o gosto de viver e provocam carências irrecuperáveis nos filhos. Há os desencontros dentro de casa, que fazem murchar o amor e roubam todo o sabor da convivência familiar. Há os desencontros provocados pelas discriminações, pelas injustiças sociais, pelos racismos e fanatismos, que negam o direito de viver a milhões de seres humanos e multiplicam violências. Desencontros provocados pela ganância que geram as guerras justificadas pela imposição violenta da liberdade. Há os desencontros com Deus, que deixam o homem sem sentido de viver e sem direção para construir os projetos de sua história. Por isso há uma massa de desencontrados em todos os lugares, levando sobre os ombros uma cruz que lhes foi imposta injustamente.
Na vida de Jesus não foi diferente. Ele teve vários encontros. Encontrou seus futuros discípulos a beira da praia, encontrou-se com a samaritana, com vários doentes, com o soldado que queria a cura do filho, com o cobrador de impostos Mateus, com Zaqueu, com o jovem rico e vários outros. Mas como não podia faltar, Jesus também teve desencontros. Quando muitos não acolheram sua palavra, quando eram duros de coração, apegados a bens materiais, quando não O receberam.
Neste momento recordamos um dos últimos encontros de Jesus antes de sua morte. Diante de tão sublime e dolorosa cena faz-se um silencio mortal. (momentos de silêncio) Senhor dos Passos, permita-me quebrar este silêncio e proferir algumas palavras de reflexão. Tomarei suas próprias palavras Senhor Jesus, aquelas proferidas por Ti quando se encontrava pendente sob o madeiro da cruz.
“Mulher eis aí o teu Filho!
Filho eis aí a tua Mãe!”
Eis aí teu Filho, mulher!
Lembras-te daquela criança tenra, aconchegada em teu colo?
_Eis aí teu Filho!
Lembras-te do adolescente curioso, que ficava no templo entre os doutores da lei?
_Eis aí teu Filho!
Lembras-te do jovem carpinteiro com quem convivias, que calejava suas mãos trabalhando junto com o pai?
_Eis aí teu Filho!
Lembras-te, Mulher, do profeta corajoso, que derrubou os poderosos de seus tronos e ergueu os humildes, que abriu os olhos aos cegos, libertou os escravisados, fez andar os paralíticos e deu voz aos mudos?
_Eis aí o teu Filho!
Olha agora o seu rosto ensangüentado, sua coroa de espinhos: aí está a tua criança, o teu adolescente, o teu jovem, o teu Filho querido.
Tu nos destes um Filho sadio e bonito. Nós o devolvemos desfigurado e agonizante. Tu nos deste um irmão forte e corajoso, nós o apresentamos agora fraco e vencido.
No rosto sofrido de seu filho transfiguram-se tantos rostos de outros filhos seus que sofrem por este mundo entregues às drogas, à prostituição, tantos filhos seus, Senhora, abandonados em tantos asilos e casas de repouso por este mundo afora. Ainda hoje muitos filhos seus caminham pela via dolorosa da solidão, abandonados por sua idade avançada. Olhai Senhora, para os filhos teus sofredores em especial desta terra cuja padroeira é vossa mãe Sant’Ana.
Virgem Dolorosa, no corpo de dor do seu filho identificam-se todos aqueles que perderam o significado da própria vida e já não tem porquê existir, porquê amar, porquê lutar. Todo nosso pecado desabou sobre Ele e marcou todo o seu corpo, seu semblante.
Deixa Senhora que Ele continue seu caminho de dor até o fim. É a nossa única e última esperança de vida e de amor, de perdão e de paz. Não o impeças, por favor. A nossa libertação está próxima.
Eis aí tua mãe Filho!
Eis a mulher que seguiu teu caminho até o fim. Eis a mulher do sim, que foi capaz de sacrificar todos os seus sonhos pessoais para tornar-se serva do Senhor.
Eis a mulher de José, eis a mulher esposa, eis a mulher mãe. Eis a mulher simplesmente mulher na digniodade de filha de Deus.
Eis aí a tua mãe, eis aí a nossa mãe. Ela está perto de ti nesta caminhada, assim como está sempre perto de nós em nossas passagens de dor e de pecado. Permiti Senhor que ela continue, presente junto de nós nesta caminha rumo ao céu. Que ela esteja sempre ao lado de tantas mães que ainda hoje sofrem a perda prematura dos filhos seja pela guerra ou violência ou que sofrem pelo abandono e ingratidão dos mesmos. Senhor Jesus vos pedimos fortaleza para tantas mães, que como a sua mãe sentiu, ainda hoje sentem transpassar em sua alma maternal uma aguda espada de dor.
Nas lágrimas e na espada que transpassaram o coração de sua mãe estão a dor e o arrependimento de todos nós, que te amamos e que em ti confiamos. Só tu tens palavras de vida eterna. Amém
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃ
15 H - SERMÃO DAS SETE PALAVRAS
Voltemos ao calvário. Jesus Cristo sofre, terrivelmente, suspenso na cruz. Asfixiado pela crucificação, mal consegue falar. As mãos crispadas em torno dos cravos que arrebentam nervos e tendões tracionam uma vez mais o corpo para o alto. Neste momento, liberando a respiração, Jesus consegue pronunciar algumas poucas palavras sintetizando o que ele viveu e ensinou enquanto esteve no meio de nós. Ele nos anuncia sua última mensagem, mais com o coração que com a voz.
1 - “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”
Jesus está cravado na cruz. Suspenso da terra. Imóvel. Não pode mudar de posição. Não consegue descansar um membro se quer de seu corpo. Somente os olhos perscrutam e observam o que acontece aos pés da cruz. Isso aumenta ainda mais seu sofrimento.
No meio do sofrimento Jesus poderia gritar sua inocência, dizer que seus discípulos foram covardes, que os chefes do povo estavam sendo ingratos. Mas não. No auge da dor, Cristo não perde a dimensão da fragilidade do ser humano e implora o perdão para nossas culpas: “Pai perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” Seu sangue derramado na cruz nos torna limpos para voltar à casa paterna.
2 - “Ainda hoje estarás comigo no paraíso!”
Três eram os crucificados daquela memorável sexta feira. Sentindo dores, o homem crucificado ao lado de Jesus não o insultou como os demais. Ao contrário, pediu e recebeu seu perdão incondicional e imediato. “Lembra-te de mim quando estiveres em teu Reino.”
Se perdoar é uma forma divina de amar, pedir perdão é um jeito humano de suplicar para ser amado e para amar de novo. Deus jamais recusa tal pedido. E num gesto de absolvição Jesus lhe diz: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso!”
3 - “Mulher eis aí o teu filho. Filho eis aí a tua mãe!”
Apesar de todas as nossas infidelidades, ele não nos deixou órfãos: deu a sua própria mãe como nossa mãe! Mas seremos dignos de ser filhos daquela que disse o sim, totalmente incondicional, quando convidada a ser parte essencial do plano savífico de Deus?
Seremos nós capazes de dar esse sim incondicional e, em cada atividade, testemunhar o Evangelho sem timidez?
Não fomos feitos filhos adotivos de Maria e, por conseqüência, irmãos de Jesus Cristo, apenas para nos vangloriarmos de ser cristãos, sacerdotes ou ministros extraordinários da Igreja. Somente tomando consciência disso, ouviremos de Jesus: “Filho eis aí a tua mãe!”
4 - “Tenho sede!”
Jesus teve sede mas, ao invés de água, deram-lhe vinagre. Também para nós Jesus vive a dizer: “Tenho sede!” Tenho sede de homens e mulheres, adultos e jovens, que caminhem comigo. Que não tenham medo de correr riscos, que não se apeguem a títulos, cargos e aos bens transitórios deste mundo.
Que estejam dispostos a levar a boa nova a toas as criaturas. Tenho sede de justiça e de trabalho para todos. Tenho sede de pessoas que não aceitem o erro, porque é muito difícil combate-lo. Tenho sede de ver a humanidade inteira totalmente feliz!
Saciem pois essa minha sede, e a minha redenção pela cruz estará plenamente realizada!”
5 - “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
Teria Deus abandonado seu Filho na cruz? Certamente que não. Contudo, a natureza humana de Jesus sofria tanto que Ele sentiu falta do carinho de seu e nosso Pai.
Quantas vezes nós também gritamos a mesma coisa, porém sem qual quer convicção de que Deus nos escuta. Quantas vezes passamos meses e anos esquecidos de Deus, nunca nos lembramos de conversar com ele, agradecendo tudo que deles recebemos. Mas, quando nos sobrevém qualquer sofrimento e a dor nos atinge, gritamos revoltados: “Por que me abandonastes?”.
Mas não é Ele que nos abandona: nó é que o abandonamos. E, de repente, queremos atribuir a ele todos os sofrimentos que nós mesmos criamos, para nós e para os outros. Fazemos de nossa relação com Deus uma transação comercial: “Eu lhe dou esmolas e orações apressadas, em compensação quero receber tudo aquilo que penso ter direito. E, se não recebo o que quero, protesto: “Por que me abandonaste?”
6 - “Tudo está consumado.”
Jesus tem a clara consciência do dever cumprido. Ele olha do alto da cruz, o novo mundo que começa: a humanidade recebe, em letras de lágrimas, suor e sangue, a sua quitação por todas as dívidas assumidas.
Mas estará tudo consumado para cada um de nós em particular? Será que nada mais tenho a fazer? Posso me esquecer de que Cristo não permanece morto, que Ele ressuscitou e está presente em cada ser humano? Posso entra numa aposentadoria espiritual, nada mais fazendo por que Cristo já fez tudo por nós?
Jesus consumou sua obra redentora na cruz. Mas foi exatamente ali que começou a nossa obra pessoal redimidos e discípulos de Cristo.
Tudo estará consumado quando conseguirmos expulsar deste mundo o egoísmo, a ambição, o desamor, a miséria e a falta de oportunidade para todos.
7 - “Pai em tuas mãos entrego meu espírito!”
“Saí de meu Pai e vim ao mundo; outra vez deixo o mundo e vou para o meu Pai.” (Jô 16, 28)
Chega ao final a agonia da cruz. Cristo entrega-se totalmente nas mãos do Pai.
Um dia, ao entregarmos também nas mãos do Pai, com certeza ele não nos perguntará pelas grandes obras que fizemos, mas pelas pequeninas coisas que deixamos de fazer.
Voltar ao calvário é redirecionar nossa vida. È tomar a decisão corajosa de voltar ao Pai não somente o nosso espírito, mas nossas mãos, nosso mente e toda nossa vida.
Com certeza, ele já está de braços abertos a nossa espera. Como o pai do filho pródigo. Basta que nos lancemos neles. Com total amor e confiança!
19H - SERMÃO DO DESCENDIMENTO
Terra de Manuel Ferreira Carneiro (Jangada), descendentes dos desbravadores desta primitiva Paragem da Mata do Jacaré. Mais uma vez diante da cena do calvário nos reunimos em grande número para celebrarmos a memória da paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mais uma sexta-feira da paixão reúne inúmeras pessoas na qual perpetua-se a tradição herdada dos antepassados. Ontem sob o adro da Suave Gótica Matriz, hoje sob o largo da Colonial Barroca Rosário o silêncio se faz notar no meio da multidão que aguarda ansiosa as manifestações religiosas próprias deste dia.
Hoje, Sexta-Feira Santa de 2003 faço-vos o convite de novamente meditarmos sobre este sacrifício que Jesus fez por nós! Penetremos o mistério do que contemplamos: o cenário do calvário! Transportemo-nos em espírito, àquele monte de salvação. Ouçamos o que diz o Evangelista São João:
“De pé, junto a Cruz...”
Todos fugiram... Ao pé da cruz, apenas o discípulo mais novo e algumas mulheres. E Maria , de pé! Eis a mais dolorosa cena!... Hora de trevas esta hora! A dor das feridas no corpo soma-se a dor da alma ferida pela ingratidão.
Com que emoção e dor não colhestes cada gemido e cada lágrima, cada dor unida e multiplicada às vossas? Óh Mãe das Dores, ver pregado o Filho à cruz, depois de despido e flagelado. Ver o barulho dos pregos rasgando carnes e rompendo ossos! Ver a insanidade da multidão que se comove e se gloria com a violência e o sofrimento dos outros. Não vos iludais, Senhora, pouco mudamos! Os mesmos que receberam da cruz do Filho, graça sobre graça, cristãos de nome, se deliciam com o perigo e a dor dos outros! Porque se vendem tantos jornais e revistas onde a violência tudo abarca? Por que os programas televisivos e o cinema fazem mais sucesso quando cultivam a violência, a brutalidade e a pornografia? Ah! Nudez de Jesus, casto cordeiro de Deus, exposto ao vexame. Por que ainda fazem sucesso os brinquedos de guerra, e a guerra mesma e a tragédia humana tornou-se o prato apetitoso dos olhos ávidos da telinha global, que é sem dúvidas mais uma droga a ser combatida. Ah! Dores de Jesus ocultas, secretas, que se repetem na multidão dos flagelados da peste, fome e guerra. Nudez de Jesus nos pobres, feitos objetos da barganha política no discurso dos aproveitadores do povo!
Eram três horas da tarde de sexta-feira quando o Senhor Jesus, nascido em carne humana por obra e graça do Espírito Santo (Lc 1,35), mas Deus em pessoa, depois de haver assumido a condição humana para redimir a humanidade, se encontrava morto, inerte sobre o madeiro sagrado. Enquanto os olhos fechavam-se e a cabeça caía, enquanto parava aquele coração sagrado, enquanto os nervos de seu corpo, tensos de dor, se acalmavam; enquanto a Mãe Maria era atravessada de dor pela morte do Filho bendito, a natureza se envergonhava da maldade dos homens. Diz-nos as sagradas escrituras que “as trevas envolveram toda a terra (Lc 23,44), a terra tremeu e as rochas se fenderam” (Mt 27,25).
E como se os homens não tivessem torturado o bastante o corpo e a pessoa de Jesus, um soldado lhe abriu o lado com uma lança (Jo 19,34). São João viu a cena sem nada poder fazer. Contam que do lado aberto de Cristo jorrou sangue e água. Sangue e água jorraram, Batismo e Eucaristia que constituem a igreja no seu mistério. Arrancaram tudo de Jesus, até mesmo o sangue, que eles pensavam ser a fonte da vida. Quiseram eliminar para sempre: sua vida, seu ensinamento, sua memória.
Ó homem mau e ignorante! Com uma lança no peito de Jesus pensas que tudo está acabado? O sangue que derramaste é semente divina e fará brotar da terra vida em abundância, vida em plenitude (Jo 10,10) para milhões de fiéis. Do lado aberto, do coração rasgado de Cristo, nasce a Igreja Católica – pecadora, porque feita da mesma massa humana que matou Cristo, mas santa, porque renascida do sangue do Senhor Jesus na cruz.
De repente, a cruz que significava destruição, se torna refazimento da condição humana.
A cruz, que significava morte violenta, se torna princípio de vida eterna.
A cruz que significava desprezo e castigo, se torna símbolo maior da doação e do amor.
A cruz que significava fim de tudo, se torna começo de um novo céu e uma nova terra.
A cruz se torna a prova plena e inteira, embora jamais compreendida, a prova irrefutável, embora misteriosa, do amor de Deus por nós.
O corpo de Cristo não podia ficar na cruz. A lei judaica obrigava enterrar os corpos dos condenados. Antes que os carrascos atirassem o corpo de Jesus nalguma cova rasa, José de Arimatéia foi a Pilatos e pediu o corpo de Jesus, para sepultá-lo decentemente (Jo 19,38). Tendo a autorização juntamente com Nicodemos, aproximam-se da cruz. Que mais há de se fazer? Morto, sepulta-se... Mas como tocar corpo tão sagrado? Por onde começar a deposição?
Iniciemos pela TABULETA INSULTUOSA MAS QUE DIZIA TODA A VERDADE. “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS.” NÃO SÓ DOS JUDEUS MAS DE TODO O UNIVERSO. REI SUPREMO NA CRUZ QUE DELA ATRAÍRA TODOS OS HOMENS A SI. SUBLIME INSCRIÇÃO. TIRE-A. CARREGUE-A E LEVE-A CONSIGO A MADALENA.
Um rei tem coroa e cetro. O cetro já o perdera. Cana verde de insultos e blasfêmias a um rei palhaço a trazer coroa de espinhos! Todos ferem demais a cabeça rasgada e machucada pelos paus. Serão quantos? Tanto quanto o peso dos pecados.
TIRAI A COROA. UM REI MORTO NÃO CARECE DELA. MAS, BEIJAI-A ANTES. O GOSTO DE SANGUE NOS LÁBIOS. DAI-A MARIA DE CLEOFAS. GUARDAI-A, MARIA, COM CARINHO, CADA DOR E ESPINHO.
Como descer da cruz o corpo morto, o cadáver de um Deus que se fez carne fracassado na cruz? ate-se-lhe um lenço aos ombros chagados para que tenha melhor repouso o que não teve pedra onde reclinar a cabeça e teve como leito a cruz. Eis o nosso Mestre.
AGORA OS CRAVOS. DUROS PREGOS A FAZER DURAS CHAGAS. RUBIS DE SANGUE ABERTOS NOS PÉS E MÃOS! O CRAVO DA MÃO ESQUERDA, RETIRAI-O DEPRESSA! LIBERTAI A MÃO QUE DANTES ACOLHEU. DEIXAI-A DE NOVO LIVRE, O BRAÇO CAIR DE ENCONTRO AO CORPO. RUBI DE SANGUE A BRILHAR NO CÉU! CHAGA MOSTRADA DEPOIS A TOMÉ. METE O DEDO NO BURACO DOS CRAVOS. ADOREMOS ESTA CHAGA, PROSTEMO-NOS DIANTE DELA. CARREGUE-O A IRMÃ DE SUA MÃE.
CRAVO DA MÃO DIREITA. MÃO QUE ABENÇOA, MÃO QUE AFAGA, MÃO QUE APONTA O CAMINHO PARA O PAI. MÃO QUE APERTE OUTRA MÃO, QUE CHAMAM OS APÓSTOLOS, MÃO QUE ABENÇOOU PÃO E CÁLICE. MÃO DADA COMO CUMPRIMENTO A TODOS, MÃO DE MISERICÓRDIA...ONDE REFULGE SUBLIME CHAGA. MÃO, HOJE, MORTA, DE ENCONTRO AO CORPO, MAS ETERNAL CAMINHO DE RESSURREIÇÃO. ADOREMOS A CHAGA DESTA MÃO!
Cravos dos pés. Pés que não andaram senão para abençoar a terra de Israel e todo o mundo, empoeirados, feridos nas pedras, descalços, pobres, pés cansados de proclamar o Evangelho. Pés ungidos por Maria de Betânia com nardo puro.
LIVRAI OS PÉS E DESÇA O CORPO. PREPARAI-O ÀS PRESSAS PARA A SEPULTURA!... ADOREMOS OS PÉS, AS CHAGAS DOS PÉS, DOIS OUTROS RUBIS DE SANGUE CERCADOS DAS AMETISTAS DAS CHAGAS, RASGADOS POR ÚNICO CRAVO. ASPIREMOS O PERFUME QUE SOBE DESTES PÉS, DAS CHAGAS DOS PÉS, DOM DE SALVAÇÃO. DAÍ O CRAVO A JOÃO. PODERÁ GUARDÁ-LO ELE QUE JÁ TEM A GUARDA DA MÃE.
Nem cravos, nem coroa, nem tabuleta. O Filho: dai-o à mãe. Quem o gerou no ventre e o recebeu no parto virginal, deu-lhe o leite dos seus peitos, recebei-o agora, não vivo, mas morto. Vos nô-lo destes vivo, nos vô-lo devolvemos morto. Pronto para a sepultura!
Oh mãe de piedade, devolvei-nos vivo o vosso filho, nós o matamos. Sabemos que o matamos. Ele morreu por nós. Sim, ele morreu por vós também, por isto, sois imaculada. Ele morreu por você pai de família, filho, médico, agricultor, comerciante... . Morreu por você que é santo – só se pode ser santo nele que é o santo. Morreu por nós, assassinos, adúlteros, drogados, ladrões, invejosos, maldizentes, a crucificá-lo de novo nas esquinas. Orgulhosos, invejosos, soberbos, vaidosos, preguiçosos, alcoólatras.
Ah, terra dos filhos de Sant’Ana porque encheis esta praça hoje? Porque uma multidão sem tamanho lotam as frentes das igrejas quando a Igreja celebra a sexta-feira da paixão? Por que este mesmo número de pessoas não concorre para participarem da celebração da ressurreição de vosso Filho ó Pai Celestial? Por que Senhor tantas pessoas preferem seguir um Cristo morto, inerte num esquife do que se comprometer com o Cristo vivo do Domingo da Ressurreição?
Não será Senhor por outro motivo senão por que um Cristo Morto não exige renuncia, não exige seguimento, compromisso com a vida, com a justiça, com a dignidade humana, compromisso com a solidariedade, a paz e o amor. Sim Senhor, é mais cômodo sepultarmos o cristo na sexta-feira Santa do que nos comprometermos com ele ao longo da vida.
Mas não Senhor! Não é o que queremos! Incute em nossos corações o compromisso com o Cristo Ressuscitado. Faz-nos compreender que Vós como Deus da vida não quer a morte, pois para isso vosso Filho morreu na cruz, para vencer a morte para sempre. O sentimento de dor e de abandono, para o cristão, não pode prevalecer sobre o sentimento de esperança. A passageira vitória dos poderosos e dos injustos contra o pobre, na cruz de Jesus se faz certeza de que Deus está ao lado dos pobres, dos abandonados e injustiçados deste mundo. Com Jesus, também estes vencerão. E com eles cada um de nós.
Faz Senhor, que não fiquemos parado na Sexta-Feira Santa, mas nos esforcemos para levar as nossas cruzes com coragem e alegria, na certeza de que Jesus caminha ao nosso lado, até a manhã gloriosa da ressurreição. Assim seja! Amém.
Gleisson Klebert de Melo - Santana do Jacaré – MG
Sexta-Feira Santa de 2003