Zé Tarzan - 80 anos
Zé Tarzan - 80 anos
Senhoras e Senhores, boa noite.
Carlos Drummond de Andrade dizia: “As palavras fogem quando precisamos delas e sobram quando não pretendemos usá-las. Tenho dificuldade de entrar numa sala cheia de gente e dizer qualquer coisa. Não gosto. Não gosto de fazer conferência. Não gosto de discurso, não tenho a empostação de voz necessária, não tenho a presença de espírito. Geralmente, tenho respostas muito boas em 24 horas depois”.
Assim como o poeta mineiro, por não possuir o dom da oratória, resolvi escrever algumas humildes linhas sobre o meu pai, Zé Tarzan.
A sua história de vida é típica do nosso sertão, tão sofrido quanto amado, e apresenta em si atos de perseverança, de obstinação, de árduas batalhas, de derrotas e vitórias, de idas e vindas, de suores, sangues e lágrimas.
O cenário é o interior da Paraíba, tantas vezes visitado por José Américo de Almeida, seja de forma física ou em comoventes contos e narrativas reais e ficcionais de sua afinada arte literária. Para ser mais preciso, o ambiente é o acampamento federal de São Gonçalo, um verdadeiro oásis no seio da sequidão da caatinga. No entanto, nem sempre o oásis oferece flores e frutas para todos. Muitas vezes, para alguns, só restavam espinhos, próprios do bioma local
José Alves Soares nasceu no dia 11 de outubro de 1942, numa primavera cruciante, sob o apogeu de uma colossal seca que permeou e maltratou o sertão e seu povo, nas selvas xerófilas do Sítio Barro Vermelho, nas vistosas cercanias de São Gonçalo.
De origem extremamente carente, visto que sua genitora trabalhava como lavadeira; fora criado sem a figura paterna e, desde criança, teve que trabalhar para sobreviver, conhecendo muito cedo as agruras da vida. Durante toda sua existência, sempre mantém postura de cordialidade, até mesmo em seus prolixos diálogos com o acaso, exceto no futebol, onde se revelara um atleta genuinamente temperamental.
Do nascimento na miséria ao emprego e à estabilidade no DNOCS, passaram-se duas décadas de dificuldades, inseguranças, mas, sobretudo, de esperança. Desta feita, a infância, ainda que pobre, fora muito bem vivida, intensa. Entre um trabalho e outro, que também era diversão, banhos de açude, de canais, no rio Piranhas e na medidora, estripulias inocentes nos campos e na área urbana, os filmes no cinema de Antonio Luiz, os desfiles do dia 7 de setembro, as aulas no grupo escolar, os carões da Professora Maria das Neves, as caçadas de baleeira, o pomar 6, as peladas de futebol, os grandes amigos...
Em meados do ano de 1964, o seu caminho se cruza em um nó cego indesatável com aquela que seria sua companheira vitalícia, uma bela e jovem recém-chegada da zona sitiante de São Gonçalo, filha de um valoroso guarda do DNOCS.
O casamento, mediante concretização de dadivosa resolução do destino, ocorre três anos depois, em dezembro de 1967. Em 1968, a primeira e expressiva alegria: a família, em sublime deleite, comemora a gravidez de Nina, do primogênito do casal. Todavia, a satisfação incontida de Zé Tarzan advém envolta de um recheio de preocupação. Sentira o peso da responsabilidade paterna. Teria que ensinar ao filho aquilo que nunca recebera, que jamais tivera a oportunidade de conhecer, ou seja, o carinho, o amor, a proteção, a segurança e a educação paternal. A situação é convidativamente inquietante e desafiadora.
Mas no fundo, Zé Tarzan estava em puro êxtase, absolutamente envolvido pela emoção. Vez por outra, promovia uma confabulação oportuna, essencial e verdadeira com o seu interior. Em suas reflexões sobre o amanhã, agia sempre com parcimônia e mansidão. Mesmo porque, sabia que estava sempre grampeado por Deus. Um grampo indiscutivelmente legal, do ponto de vista do sagrado, e imprescindível para o nortear de uma alma, de uma família voltada para os caminhos do criador.
Muitos e ardentes sentimentos ainda estariam reservados para o casal, com o natalício de mais três preciosos filhos, na década de 1970, e seis abençoados netos, dentre os quais, a caçulinha Isabela, de um ano e meio, uma linda princesa que irradia alegria e felicidade no seio familiar.
Como nem tudo são flores, no ano de 1975 a família passa por um momento dramático. Zé Tarzan sofre um grave acidente automobilístico, envolvendo um caminhão caçamba da construtora Moveterras, em São Gonçalo. Após um dia de festejo em sua casa, com Juca, motorista da caçamba, e Zé Galdino, seu cunhado, os três amigos saem à tarde e se dirigem à garagem das máquinas da construtora, que se localizava após o Núcleo Habitacional II. No percurso de volta, o condutor perdeu a direção do veículo que tombou de lado, nas proximidades do Rio Piranhas.
Logo, uma vaga e atroz notícia chega a São Gonçalo, sobre um fatídico acidente, com a suposta morte de Zé Tarzan e Zé Galdino. Nina, aos prantos, se desespera, tamanha era dor pela perda do marido e do irmão. Uma multidão se dirige à casa dos familiares. A aflição e os soluços da mãe contagiam as crianças, mas que pouco entendem o que estava acontecendo. A falta de notícias agrava a consternação, tornando o pesadelo mais evidente e real. O crepúsculo desponta sombrio, trazendo incertezas e pesares. Naquela ocasião, um luto intrometido e extemporâneo ousava nublar a alma e o coração da família. Mas de repente, um carro desconhecido para em frente à casa e logo é cercado por alguns curiosos. O coração de Nina dispara.
Após angustiantes lances de suspense, Zé Galdino, com semblante plácido e a camisa completamente ensanguentada, mesmo ao ver a irmã chorando copiosamente, desce serenamente do automóvel, como se nada tivesse acontecido, e solta o seu estridente vozeirão, cantando, em alto e bom som, "Que será", do inimitável Altemar Dutra.
Eu vou partir mais sei que volto um dia
Pra ver de novo a terra onde nasci
Pisar o mesmo chão onde brinquei, quando criança
Eu vou partir mais cedo e volto um dia
Que será que será que será
Que será de minha vida eu não sei
O meu hoje está perdido
O amanhã ainda virá
Que será, só será o que será
Em seguida, Zé Tarzan também desce do veículo, com apenas alguns ferimentos leves. Nina corre na direção dos dois. O choro aumenta ainda mais. Só que desta vez de alegria! Todos se abraçam. Os acidentados já haviam sido medicados no Hospital de Pronto Socorro de Sousa e liberados. E tudo acaba bem...
Zé Tarzan é essa figura simples, desprovida de vaidades, com um legado de honestidade, probidade, dignidade e de valores éticos e morais, herdados da sua progenitora, Dona Raimunda, que ele sempre aplicou em sua extensa e inacabada biografia.
Aos filhos, procurou repassar esta invejável herança imaterial, naturalmente, apenas com o exemplo de sua vida. Uma marcante vida, por sinal contada em algumas páginas, eternizada nos anais da literatura sertaneja, através da minha modesta obra "Zé Tarzan e Nina - às margens do Rio Piranhas", lançada no ano de 2016.
Muito obrigado.