Inauguração de retrato na galeria de ex-Presidentes do TJMMG
Discurso de inauguração de retrato na Galeria de ex-Presidentes do TJMMG (1/6/2022)
“A vida só se compreende mediante o passado,
mas só se vive hoje, para diante” (Soren Kierkegaard)
Sras e Srs,
Nos ritos em que se movem as instituições públicas, a inauguração de retratos é cerimônia habitual. Um registro e uma homenagem que acompanha a democrática e benfazeja alternância de gestões. Para os homenageados, é sempre uma honra e alegria poder ver o seu retrato figurar ao lado de pessoas ilustres e que tão bons serviços prestaram à pátria e à causa da Justiça.
Para mim, particularmente, será sempre um feliz e poético descortino, deparar-me vez por outra, a caminho das sessões, com essa minha imagem, esse outro eu aqui registrado que estará sempre presente, mesmo quando eu já não estiver.
Não podemos nos esquecer, contudo, que num retrato sempre se deixa parte de si mesmo para trás, e as visíveis mudanças de traços que vão se destacando com os anos não são senão a ponta visível de um imenso iceberg de mudanças que nos circundam e nos modelam no caudaloso rio da vida
Se disso nos esquecêssemos, correríamos o risco de sermos vítimas daquela ilusão cognitiva descrita no conto de Nabokov, na qual um homem, ao perceber atentamente o olhar que lhe dirigia sua antiga namorada, deu-se conta de haverem ali duas pessoas distintas diante dela: seu próprio eu, que ela não via, e seu duplo, que só ela via, e que ele mesmo não podia entrever.
Todavia, se não sou mais aquele registrado nesse retrato, é forçoso reconhecer que ele também me constitui, agrega-me e conforma a vasta e complexa trama de elementos que compõe nosso ser. Os momentos que essa imagem simboliza hão de ficar não apenas em minha memória, mas sobretudo, modelando minhas ações, integrarão também as lentes através das quais eu sinto e compreendo o mundo.
Muito mais que o orgulho de vê-lo inserido em galeria tão ilustre, esse retrato representará para mim uma lembrança perene das faces de todos os que estiveram comigo durante essa travessia, na qual colhemos desafios, alegrias e, sobretudo, um vasto aprendizado.
Sr Presidente,
Esse é para mim um momento especial e muito significativo. Contudo, para além dessa dimensão individual e afetiva, é preciso destacar também, que cerimônias como essa possuem grande significado para a vida institucional e coletiva.
Assim, num tempo em que tanto se valorizam as imagens, permitam-me uma breve reflexão sobre as limitações que lhe são inerentes. Afinal, o que será uma imagem, se esta não for também / uma proposição linguística, / uma história, / uma narrativa? Sem elas, a imagem há de ficar privada de elementos, cuja memória, deveria mesmo representar.
Pensemos assim, que o retrato que hoje inauguramos nada nos diz sobre o elemento mais marcante e corriqueiro, com qual, durante todo esse período, adornamos nossas faces. E se a imagem nada nos diz sobre a máscara, igualmente, muito pouco nos informa sobre tantos outros elementos que marcaram os anos de nossa gestão na presidência.
Essa a razão de ser e importância da valorização e proteção da memória, num sentido amplo e profundo. Apenas dando voz às histórias que perpassam todos esses retratos, poderemos reportar, do modo mais coerente e completo, a vida de nossas instituições.
Nesse Tribunal, a valorização da memória é iniciativa que há muito vem sendo fomentada, contando com eficiente comissão permanente e cujo sistema, desde de nossa gestão na presidência, está plenamente integrado ao MEJUD, o Museu do Judiciário Mineiro, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Segundo Milan Kundera, “a grande luta humana é da memória contra o esquecimento”. Pois o esquecimento do ontem, pode trazer-nos sérios riscos. Não riscos econômicos ou militares, mas riscos existenciais. Pois corremos o risco de nos esquecer que o tempo é uma das matérias de que somos realmente feitos.
Assim, todo discurso sobre a memória nasce e vive da compreensão de que as memórias compartilhadas precisam ser estimuladas, alimentadas e nutridas, necessitando portanto de lugares, ritos e símbolos. Espaços como essa galeria de retratos de ex-presidentes revelam importante estratégia capaz de organizar, sequenciar e alimentar as memórias. Essa atualização traz evidentes ganhos civilizatórios, pois fomenta a convivência entre gerações, possibilitando assim as chamadas “memórias conviventes”.
Desta forma, a valorização da memória ressalta e fortalece a intersubjetividade, pressuposto fundamental à vivência social. E se o diálogo intergeracional é o meio pelo qual se realiza e efetiva a memória, não podemos olvidar o papel do diálogo para todas as relações e a própria vida humana.
Oriunda das palavras gregas “dia”, através, e “logos”, traduzida para o latim como ratio (razão), mas possuindo também vários outros significados, como “palavra”, “expressão”, “fala”, Diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados. Isso quer dizer que quando o praticamos a palavra liga em vez de separar. Reúne em vez de dividir, não sendo, pois, um instrumento que leva as pessoas a defender e manter suas posições, tal como acontece na discussão e no debate. Ao contrário, sua prática está voltada para estabelecer e fortalecer vínculos,/ ligações,/ e a revisão racional das próprias ideias.
Sem diálogo, sr Presidente, estaremos condenados ao eterno isolamento, ensimesmados em nossas verdades, vivenciando uma outra forma, ainda mais elementar e cruel, de distanciamento social. Apenas pelo diálogo obteremos uma consciência concreta de que, para além de nossas divergências políticas, religiosas e ideológicas, convergimos num mesmo ponto que a todos irmana e clama por ser redescoberto: somos todos humanos. Afinal, como sintetizou o presidente John Kennedy, um líder que se destacou em tempos de crise: “O laço essencial que nos une é que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar. Somos todos mortais.”
Ao inaugurar hoje meu retrato na galeria de ex-presidentes da casa, lembro e reverencio a todos os que comigo construíram dialogicamente esse caminho e, com profunda gratidão e senso de responsabilidade abro-me a interlocução contínua rumo a novas jornadas. Pois com Fernando Brant aprendemos, “Se muito vale o já feito, mais vale o que será, mais vale o que será”.
Muito obrigado!