*Para não dizer que não falei das flores*
Há uma passagem no "O Príncipe", de Maquiavel, que sempre citava para explicar o medo nas histórias infantis nas apresentações do teatro-oficina nas escolas públicas, que é precisamente onde ele diz que mais vale ser temido do que amado. Os homens são ingratos, dissimulados e o amor é eterno conforme suas conveniências, mas o temor implica o medo de uma punição e esse medo é para sempre. É o que aconteceu e acontece conosco.
Vivemos durante décadas sob o domínio do medo. Um medo tal que Drummond transformou em uma das suas mais belas poesias: “Congresso Internacional do Medo”. Era o medo que esterilizava os abraços. O amor havia se refugiado no “mais abaixo dos subterrâneos”. Mas não há noite que não amanheça.
Um dia o povo acordou e se descobriu sem medo. Arrancou o grito preso na garganta e foi às ruas enfrentar as baionetas caladas em ruidosos gritos de guerra. E no meio da fumaça da pólvora e ataques caninos, a primavera floriu. Novos ventos, novos tempos. Hora de se recolherem as mágoas e enterrarem seus mortos. E se desenterrarem as esperanças que resistiram à mais vil brutalidade.
Desacostumados com a democracia, ficamos atarantados com a liberdade dos novos tempos. Thiago de Mello, em “Noturno do Paraná do Ramos”, foi ao ponto certo: "É certo que recuperamos a fala, mas ainda não aprendemos a pronunciar o nome das flores que arrebentam na praça".
E assim foi: sem saber os nomes, adotamos as ervas daninhas como flores no nosso jardim. A inconsciência coletiva está nos levando ao mais abaixo dos subterrâneos. Corpos se acumulam aos montes e não dizemos nada. Injustiças são cometidas e não dizemos nada. A fome assola grande parte dos lares e não dizemos nada. A Democracia desfila na corda bamba e não dizemos nada. E como nos versos de Eduardo Alves, quando quisermos gritar, já cortaram a nossa garganta.
*Música de Geraldo Vandré.