Comentários sobre Plotino(Neoplatônico - 205 anos depois de Cristo) - 4° Enéada - Da essência da Alma, seus paradoxos, sua imortalidade.

Faço esses comentários com um sensato temor de inevitáveis equívocos, mas ainda sim, convicto do valor da investigação. Como diz o próprio autor Plotino: " Obedeceríamos ao preceito do deus de conhecer a nós mesmos, ordenado acerca disso ao fazermos a investigação."

Assim, prosseguimos.

"é preciso assim ser a alma - unidade e multiplicidade. E estar partilhada e não ser partilhável. E não descrer como impossível o mesmo e único ser em muitos lugares"

Aqui Plotino já começa a explicar um pouco do paradoxo da alma. De como Ela, divina e pura por natureza, se mistura e compartilha com o corpo, gerando, na multiplicidade, uma personalidade egocentrica, sem deixar, na unidade, de ser bela e justa, uma vez que ela possui uma parte nobre que é sempre não partilhável e outra parte que se permite partilhar para gerar a experiência terrena. " assim também é a Alma que vem ao corpo do céu, dá-lhe vida, dá-lhe imortalidade, desperta o que jaz".
"sendo a Alma a que raciocina sobre coisas justas e belas"
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"mesmo sendo uma divindade e a partir de lugares superiores vem a ser dentro do corpo"


Assim, a alma ao descer do "céu a terra", permite que parte dela, a parte partilhavel se misture com o corpo, gerando um "composto" que pode ser chamada de "  personalidade". Essa alma personalistica vive no mundo manisfestado da multiplicidade. Mas há parte da alma que continua sempre pura. Acessar essa parte pura é acessar o divino em nós. Melhor ainda que nos deixemos guiar por essa parte mais nobre e não partilhável(não contaminável).

"a perda das asas e das penas é causa do retorno para cá(terra)"
"a alma está em cárcere ... sepultada e presa a cavernta - onde liberação das amarras e subida a partir da caverna é para a alma a passagem para o inteligível" 
" a Alma liberta-se a partir da contemplação das coisas que são"



Assim, Plotino nos propõe uma tarefa desafiadora: nos auto observar para nos separarmos do corpo e nos desindentificarmos dele; para separar o que é do que não é. " É preciso, portanto, que também a alma separe ela do corpo em tal operação. É preciso, portanto, ela mesmo não ser corpo."

" isso é que divinamente obscuro está dito da natureza não partilhável(da alma) e que se mantem sempre uma só e ela mesma, e da (parte)partilhável que vem a ser acerca dos corpos, uma terceira forma de essencia, misturada de ambos. " é a alma unidade e multiplicidade." "o que é mais elevado é unidade apenas"



E Plotino, continua

"no mundo inteligivel está a verdadeira essencia"

Ao falar de verdadeira essência, Plotina fala da Inteligência divina, a Alma do mundo. Em outra acepção poderia estar falando de uma inteligencia superior em nós mesmos. - Budhi(intuição verdadeira)
E ao falar desse mundo inteligivel, Plotino fala do mundo causal(mundo divino, mundo eterno, mundo das ideias), em oposição ao mundo sensível e manifestado do corpo. Neste mundo espiritual causal(causal porque é a causa e origem de tudo), estaria a inteligencia, aquela essencia divina, alma do mundo, que ao contemplar sua origem, o Uno, também transbordou e deu origem a alma individualizada, nosso Deus interior.

"no mundo inteligivel está a verdadeira essencia; inteligencia a melhor lá; mas almas também ali: pois dali(mundo divino) também aqui(terra). E aquele mundo tem almas sem corpos, este porem as nascidas em corpos e divididas nos corpos."

"E lá em conjunto certamente a inteligenca toda também não separada nem dividida, e em conjunto todas as almas no eterno mundo."

"alma, porem, inseparavel e indivisivel ali, pode por natureza ser divisivel(aqui)"

"E vão, tendo declinado do inteligivel, ao céu, para primeiro assumir corpo ali, atraves disso avançam a corpos ainda mais terrestre"

A filosofia Hindu nos fala que possuímos 7 corpos, 7 veículos de expressão, como se fossem vestimentas da alma, do mais sutil, ao mais denso, sendo os 3 primeiros corpos os mais superiores. Assim, ao assumir um corpo no Ceu, talvez o corpo causal, budhico, descendo para o corpo mental puro, descendo aos veículos mais densos até chegar a encarnar. assim diz Plotino
" e se é dito que a alma do homem é tripartida" 
 "tendo (a alma)sido impulsionada desde as primeiras realidades, até as terceiras tendo avançado."
"esse que é primeiramente e que é sempre não é morto"

Penso que Plotino esta a dizer que existe uma parte de nós, a mais nobre, o Eu superior, indivisivel e não partilhável, que não encarna, mas que continua a habitar o mundo divino, pairando sobre nós, acessível aqueles que o busca, mas que não se mistura com as coisas do mundo manifestado."nossa alma imerge, mas há algo dela no inteligível sempre" Uma boa imagem é o "halo" descrito na imagem dos anjos cristãos. O "halo", ou "logos divino", seria a parte mais superior da divindade que mesmo tendo descido e estando presente, não se mistura, pois habita o mundo superior.

"Tendo porém descido aqui, a alma com essa parte superior contempla o mundo inteligível e com essa mesma parte preserva a natureza do todo".

Quando pensamos neste outro mundo, um mundo espiritual e eterno, talvez criemos a imagem de um mundo mais alem, mais externo; mais distante desste mundo sensivel em que vivemos. Então, expressões desse tipo ganham força: "a felicidade não é desta Terra, não é deste Mundo".Mas não é bem isso que Plotino nos propõe.
Sim, a felicidade não pode ser encontrada neste mundo externo da materia, mas também não pode ser encontrado em um mundo mais externo ainda, como um paraiso no alem. O mundo da felicidade seria um mundo interno, o mundo de uma vida interior. É neste mundo interior que a alma, a inteligencia e o Uno devem ser contemplados e alcançados. Assim, a felicidade de fato não é deste mundo(externo e fenomenico), mas esta dentro deste mundo interno(impermeável as palavras). Por isso, pode ser vivido aqui e agora, independente das circunstancias externas.

"Muitas vezes ao despertar e vindo a ser para mim mesmo a partir do corpo, fora das outras coisas, para dentro de mim mesmo, vendo uma beleza admiravelmente grande por acreditar ainda mais ser de superior destino e por ativar a melhor vida e por ter vindo a ser para o mesmo que o divino, por ter-me fundamentado nele mesmo."


" a alma é de natureza mais congênere da natureza mais divina e eterna,... todo o divino e tudo que É (realmente) se serve de boa vida e inteligência."

"a alma foi dada da parte do bem do demiurgo para ser esse(corpo) todo inteligente...a alma foi mandada para ele(corpo) da parte do deus para ele(corpo) ser perfeito"

"não há nenhum intermediário entre a inteligência e a alma; a alma vai em direção à inteligencia, depois se harmoniza com esta; e uma vez harmonizada com a inteligencia, a alma chega a um estado de união imperecível sem deixar por isso de ser alma, mas ambos não fazem senão um. Assim então estando, a alma não mudaria mas manteria imutavelmente relação com o pensamento, tendo ao mesmo tempo a consciencia de si mesma, como aquela que se torna um só e a mesma coisa com a inteligência."

Para Plotino, a inteligência, primeiro transbordamento do Uno, é também chamado a Alma do todo, e dessa alma do todo, dessa inteligencia, nossa alma individualidada dela transbordou e é parte dela.
"nossa alma é parte da alma do todo"
"Por isso também Platão diz muito bem não pondo a alma no corpo, sobre o universo, mas o corpo na alma.


Assim, não sou eu(personalidade momentanea) que tenho uma Alma, mas a alma que nós tem.

Plotino toma cuidado para que não intitulemos a alma individualizada apenas como uma partícula divina, ou uma partícula da Inteligencia, pois para Plotino, uma particula de Deus, se cabe o Deus inteiro(nela) não é particula, mas algo maior. Assim, Plotino prefere atribuir um genero comum entre a Alma do todo e as almas individualizadas.

" Contra essas coisas primeiro deve-se dizer aquilo, que ao porém(a alma do todo e as individuais) como formas semelhantes por tocar a elas consentirem, atribuindo-lhes o mesmo genero comum, farão(as almas individuais) estar fora da parte(da alma universal); mas de modo muito mais justo diriam cada uma, ela mesma e única, ser toda alma."

Para explicar isso, Plotino usa uma imagem de "uma linha e suas partes". De forma análoga refleti sobre a imagem da "linha" só que imaginando alguns nós em sua extensão(ver imagem do cabeçalho deste texto). A Alma do Todo seria a linha que forma o colar que une todos os nós e que também faz parte dos nós. A Alma individualizada seria cada um dos nós. Assim, cada alma irmã, lado a lado, formado da mesma essencia, individualizadas em sua forma e grandeza de nó, formando em conjunto, uma única Alma. A Alma do Mundo: " e isso é o principio que subjaz para a alma ser uma só e a mesma em muitos corpos"
"Se todas as almas formam uma só alma... sendo uma só e a mesma em muitos corpos" "como então há uma essência em muitos?"

Nessa analogia, Plotino nos diz:

" E mesmo na linha, a parte tem o "ser linha", mas por grandeza difere". "as partes portanto são todas que são únicas de mesma forma".

"a alma não está separada de si mesma, quando esteja tanto em um dedinho quanto no pé" (tanto em um nó quanto na corda)

Nesse ponto, entendo que Plotino nos diz que a Alma do todo, ainda que individualizada e encarnada em um corpo, não deixa de ser Alma do todo, como uma "alma no dedinho, não deixa de ser parte da mesma  "alma do pé" .
Toda essa investigaçao de Plotino parece querer nos levar a um entendimento: a percepção de que "somos todos um"(ou seja, grandezas da mesma corda) e esse um é Deus(a corda, ou sua origem).
E, portanto, "Eu sou Deus", Deus está em mim. 
" é preciso relembrar nossa origem divina".

Assim, se ultrapassarmos o mero entendimento mental de que somos divinos, mas conquistarmos um saber intuitivo que  " se apercebe da  própria imortalidade de maneira natural", as consequências desse "aperceber-se" nos livaria a identificação com o "homem autêntico", cuja parte superior domina a parte inferior em todos os aspectos da vida.

Plotino nos lembra de uma verdade esquecida. Nunca nos separamos de Deus. O Cristo, o Salvador, o Messias, o Buda reside em nosso interior reside em nosso interior, não como um ser diferente, mas como nosso verdadeiro Eu.Vestigios sobre a verdade sobre nossa divindade podem ser encontrados em diversos textos sagrados.
Corintios:  "Não sabeis que sois santuário de Deus e que o seu Espírito habita em vós?"


Plotino insiste em nos mostrar que a nossa realização como ser humano autentico se dá quando nos separamos do corpo(uma separação filosófica).


"o melhor da alma ... sendo jogado por todos os lados, .. dada ao conjunto do comum(personalidade)  é fraca por estar na mistura, não fraca por sua própria natureza(divina), mas como em meio a grande tumulto(colera, instinto), o melhor dos conselheiros não domina ao falar, mas os piores dos que tumultuam e gritam, aquele porém se senta em silêncio nada tendo podido, tendo sido vencido pelo tumulto dos piores. Assim no varão pior ou médio; porém no varão melhor, fugindo já o homem do composto comum(persnonalidade) e deixando se dirigir pelos melhores(alma nobre); verão otimo, aquele que se separa, um só é o principio imperante.

Percebe-se também que, nos moldes de Socrates, em Fédon, Plotino nos explica que esse fugir da materia se dá pela conquista da consciencia ainda em vida, mas também pela própria morte, razão pela qual o filósofo verdadeiro não teme a morte.

"e Zeus pai teve compaixão delas(almas) que sofriam(enquando encarnadas), fazendo os seus laços acerca dos que sofrem mortais e dá intervalos em tempos, fazendo -as livres de corpos, para que estivesse ali e elas mesmas viessem ser exatamente onde a alma do todo é sempre, por nada voltando-se as coisas daqui."


 
Atma Jordao
Enviado por Atma Jordao em 26/11/2020
Reeditado em 07/01/2021
Código do texto: T7121115
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