Diálogos: Pra que cotas raciais?
Que diferença faz conversar com quem sabe o que é diálogo e, sobretudo, respeito ao Outro. Compreendo a sua óptica, meu querido. Mas, como você disse, o fato de não possuir o fenótipo negro ou a pele escura influencia muito a sua percepção.
Creio que na condição de observador, já que não possui vivência direta com o racismo, adotar tais medidas reparadoras parece ser "racismo" propriamente dito, conquanto, por outro lado, sabemos que a discriminação positiva possui finalidade reparadora, visando a redução dos efeitos históricos-sociais perpassadas na sociedade brasileira. Ao revés da discriminação racial que só prejudica a quem dela é alvo, de modo que, geralmente, quem não possa por essa vivência não compreende de forma inteligível o porquê ainda se faz necessário adotá-las.
Assim, pelo fato de não estar lidando ou sofrendo com um problema enraizado na estrutura social, essas pessoas passam a crer que ele não existe ou, se existe, não é tão grave, ou, se não for tão grave, não é digno de medidas reparadoras, ou, se for digno, não deve ser por meio de discriminação positiva, ou, se não for por esse meio, não sugere outro porque o que vale é a crítica e não a finalidade da medida que, por sinal, reduz a desigualdade racial no país.
Em contrapartida, as pessoas negras, enquanto possuidores do fenótipo negro, tendo, portanto, a perspectiva interna, cuja narrativa advém da própria vivência, ao passarem por tantas discriminações, preconceitos e exclusões, intensamente, arduamente, incansavelmente, exaustivamente (NÃO ESTOU SENDO HIPERBÓLICA NÃO, É TRISTE, MAS É REAL), desde o nascimento até a morte, e antes mesmo de compreenderem a própria existência no mundo, acabam aceitando a discriminação positiva (cotas raciais) a curto prazo (são temporárias) como uma das poucas válvulas de escape, uma luz no fim do túnel.
Em verdade, gostaria muito que não precisássemos dela, pois o motivo da sua adoção é o que há de mais sórdido entre os humanos, a discriminação atrelada a um fator biológico.
É como se estivéssemos sufocados no mar, com os pulmões cheios de água, prestes a dar o último suspiro de vida, e o dono da marina ordenasse que um salva-vidas, momentaneamente, jogasse o colete para nos resgatar, ao passo que, quando estamos próximos à superfície, outra onda nos levasse de volta ao fundo do mar e o dono da marina permanecesse inerte, já que não se sente privilegiado por ter herdado a marina do pai, que foi filho, neto, tataraneto, de quem criou a marina e iniciou o processo de discriminação de quem pode ficar na superfície e de quem deve ficar no fundo do mar sem respirar, submergindo à superfície conforme a conveniência do dono da marina vigente.