Casa grande e senzala.

O mundo ficou mais cinzento nos últimos dias, com número exorbitante de mortos pela Covid-19 no mundo e mais expressivamente aqui no Brasil. Aliado a este cenário apavorante as mortes (assassinatos) causadas na raça negra pelo mundo afora e aqui também. Como se não bastasse às crises que estamos passando (econômica, sanitária, política, jurídica, etc.), esta semana para não variar um assombroso caso de mais uma criança vitima de uma fatalidade. Sina em que foi colocada, predisposta. Estou falando do caso do menino Miguel de Recife, que despencou do nono andar de um edifício de luxo. Sua mãe mesmo na quarentena, não tendo com quem deixar a criança (filho único) a levou para o trabalho. Lá chegando à patroa pediu para que ela levasse seus cachorros passear, enquanto ela ficaria “cuidando da criança”. Criança é criança, seja qual for a raça ou cor, necessita de cuidados e olhar atentos. Em dado momento o menino queria a mãe, o que fez a patroa inescrupulosa, o colocou no elevador e o despachou para o térreo, sozinho, apertando o comando; note um menino totalmente ajuizado de cinco anos.

Vai encontrar sua mãe!

A criança curiosa seguiu o mesmo procedimento e acionou o comando de mais dois andares e neste ultimo saiu do elevador, abriu uma determinada porta e despencou lá de cima vindo a óbito, o resto todos sabem em que pé esta. Trata-se mais uma vez de uma historia que envolve a Casa Grande e Senzala ( Gilberto Freyre) na atualidade de nossos dias. Não ia manifestar minha indignação, minha repulsa, senão em função de um comentário que li.

“Patroa não tem obrigação de cuidar de filho de empregada, se não tinha com quem deixar, pensasse antes de te-lo”. Amostra de uma manifestação abjeta.

Ora o pobre esta condenado a não ter sonho, anseio, vida, agora também. As pessoas nascem, crescem, casam-se e constituem família, e do contrario também é um sonho, um desejo. Qual o problema, o que esta errado? É proibido ter filhos?

As pessoas perderam a vergonha, o pudor, a solidariedade à empatia. Estamos no limite da crueldade, do racismo nu e cru. As pessoas falam o que quer na hora menos imprópria sem o mínimo de sentimento. Voltamos aos tempos da escravidão, em questão de dias e não há punição, não há lei, não há justiça. É indecente e desumano, tosco e sádico. Empregado e patrão tem uma relação de troca, de interesses. Mas não deveria ser só isso, principalmente neste momento terrível que estamos passando de angustias, de incertezas. Há necessidade no mínimo de trocas de gentilezas, camaradagem, de favores, de humanidade, de solidariedade. Esta implantado uma forma de morrer e ser morto neste país, principalmente para o pobre, o negro, o marginalizado socialmente. Claro a relação patronal vai bem enquanto esta bem para ele (patrão), quando há uma rusgazinha, desfaz-se, o que não acontece com o empregado que pensa ter uma relação de amigo, de fraternidade e até diria de amor para com a família. Para o empregado infelizmente o empregador esta fazendo um favor, esta ajudando empregando-o. A palavra empregar é até interessante analisar sua origem, é um termo que vem do latim juntando o prefixo in (em), mais a palavra plicare (enrolar ou dobrar) ou mais ainda implicare que significa juntar, unir ou enlaçar. Há muito tempo à palavra empregar deveria ter deixado de existir e em seu lugar, colocar-se-ai para não usa-la novamente, colaborador e colaboradora, pois ela (empregar) nos remete a cruz ou pregado na cruz. O sentimento que o colaborador e a colaboradora sentem em relação ao patrão não é e nunca foi recíproco. Daí este eterno conflito e agora este verdadeiro desleixo para com a vida.

Como fica a vida desta mãe, deste pai a partir de agora. Não foi o menino Miguel que despencou do nono andar e morreu. Somos nós como sociedade, que estamos falhando com nossas crianças, e com a vida dos menos assistidos. Não deviríamos estar manifestando este tipo de ressentimento, de rancor para com os pobres e sim precisaríamos estar solidários, reflexivos, tristes e não achar natural uma morte tão trágica, desleixada e vil. Deveríamos estar atônitos afinal não foi o Miguel que despencou foi o mundo que caiu na indiferença, na injustiça, intolerância e no fosso da desigualdade.

Luiz Carlos Zanardo
Enviado por Luiz Carlos Zanardo em 06/06/2020
Reeditado em 06/06/2020
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