QUAL A UTILIDADE DOS DEUSES EM TEMPOS DE CRISES GLOBAIS?
Em períodos difíceis, quando as pessoas se ajudam e a vida passa a valer mais que um culto e mais que as coisas que possuímos, a fé na humanidade é um ponto positivo a todos nós!
*Por Antônio F. Bispo
Meus sentimentos a todos os que perderam entes queridos nesse período turbulento! Desejo paz e sossego a todos os que estão desesperados com a atual situação! Como tudo nesse mundo é passageiro, essa crise é momentânea e assim como tantas outras que enfrentamos, essa também passará em breve!
O modo como a encaramos, como nos vemos e como enxergamos o nosso próximo em tempos difíceis como esses, é o fator principal que poderá conduzir nossa civilização para uma etapa ainda melhor. De modo proposital ou aleatório, em certos casos é preciso “reiniciar o sistema”.
Quando fazemos um reboot em uma máquina, eliminamos tudo o que não presta no modus operandi e depois de reiniciado, passamos a conduzir o equipamento de forma mais responsável para evitar os mesmos danos ou outros maiores.
Podemos encarar esse momento como um grande reboot mundial e quando a civilização for “reiniciada” outra vez, devolvendo a cada a sua liberdade individual, o seu direito de ir e vir, de ser e viver normalmente, poderemos conduzir nossos corpos e consciência de uma forma ainda melhor, se quisermos.
Essa não é a primeira vez que epidemias globais como essa acontece e nem será a última! Em outras ocasiões, quase 50% da população mundial desapareceu durante uma pandemia de longa duração. E sobrevivemos...
Desde quando habitamos esse planeta, já passamos por dezenas de catástrofes naturais de ordem climáticas ou geotérmica e vencemos! Nesses períodos primordiais, em nossas mentes ainda não havia deuses ou demônios para nos julgar, nos salvar ou condenar e nós sobrevivemos por nos ajudamos mutuamente.
À partir do momento que os primeiros modelos de civilizações começaram a surgir, já passamos por outras centenas de calamidades raciais, econômicas, morais ou epidemiológicas e sobrevivemos, pois nos ajudamos. Os deuses e demônios nessas ocasiões já faziam parte de nosso imaginário coletivo e apesar de tudo, nesses momentos cruciais, deixamos nossas diferenças de lado e consideramos que era melhor estar vivo que ter um deus à venerar. E sobrevivemos. Afinal, os mortos a ninguém cultuam! Em alguns desses casos, a crença ou a defesa de certas divindades foram o pivô principal de certas crises que atravessamos ou das besteiras que cometemos em nomes dos deuses. A própria bíblia e tantos outros livros ditos sagrados registram tais momentos. Por uma crença religiosa as pessoas são capazes de matar e morrer ou de entrar em histeria coletiva, reduzindo seus intelectos a estados primitivos, bestiais e territorialistas, propensos a todos os tipos de ataques e defesas em nome de um amigo ou inimigo imaginário em comum.
Isso é pior que um vírus. Isso também é uma pandemia, pois há milênios parasita a mente de mais da metade das pessoas no globo e já causou milhões de mortes, mas ninguém percebe pois já se tornou uma simbiose com a nossa espécie e somos obrigados a viver de forma silenciosa com esse mal, com a certeza absoluta de a qualquer momento, em qualquer lugar do planeta, dezenas ou centenas de vidas poderão ser ceifadas em qualquer lugar em nome ou contra uma divindade qualquer.
É um mau que muitos não querem ser curados, pois matando-se o vírus, morre junto o portador, pois sem um deus imaginário a quem servir, ou a um demônio imaginário a quem terceirizar suas “cagadas”, a vida destes perderia todo o sentido, seria apenas um pedaço de carne ambulante, em estado vegetativo, sem propósito de existência algum.
Em nossa constante busca no sentido em fazer o certo de modo certo para o bem de todos ou para o bem de alguns privilegiados, temos defraudado uns aos outros e em certos casos trazendo prejuízos irreparáveis a diversas pessoas. Diante de calamidades como essa atual, fica evidente que é uma tremenda burrice, pois aquele que fizemos afundar, poderia ser o nosso parceiro em tempos de crise, quando atravessamos sozinho um caminho que poderia ter o auxílio daquele que derrubamos.
Na busca pelo modelo político perfeito a fim da manutenção da ordem e da paz, para a condução da prosperidade social dos grandes impérios qual nos incluímos ou da elevação de nossa espécie sobre os demais animais desse orbe, temos cometido os mais diversos delitos, desde a exterminação completa de um povo “inimigo”, até a destruição de incontáveis espécies da fauna e da flora em geral.
Somos assim: uma mistura de ter e não ter, saber e não saber, poder e não poder. Ao mesmo tempo que nos julgamos ser os seres mais inteligentes e poderosos do universo, nos vemos sucumbir por um inimigo invisível, silencioso e letal. Temos milhões de toneladas de material bélico para enfrentar grandes potências, mas estamos sendo abatidos por um inimigo microscópico. Então abaixamos a guarda e minimizamos as diferenças para vencermos um inimigo em comum.
Em dias assim vemos o quão frágeis somos e que pouco importa tudo o que conquistamos na vida, quando a morte iminente nos é anunciada.
Os títulos que possuímos nada significa se não tivermos a quem exibir ou se não tem pessoas que a eles possam se submeter. A fama só tem sentido se tiver quem nos idolatre. Sem adoradores e bajuladores até o mais venerável dos deuses torna-se um desconhecido qualquer sem relevância alguma. A riqueza só é válida se tivermos o que comprar e se os outros estiverem desejando aquilo que possuímos. Se ninguém admira ou deseja conquistar o que “temos” ou se não pudermos adquirir bens, favores ou serviços com nossas riquezas acumuladas, elas nada significam e para nada servem. São apenas pedras, papeis ou metais insignificantes.
Em dias como esses, podemos enxergar que somos tão humanos como todos os demais, que a religião nos dividiu, que a política nos apartou e que o conceito de riqueza cria em nós a ilusão de sermos melhores que os demais. Mas somos todos humanos. Meramente humanos.
Outro fato que fica extremamente evidente em tempos como esses é a inutilidade dos deuses pois, por mais devoto que um fiel venha ser e por mais que ele contribua com dízimos e ofertas para obter proteção divina e se livrar do mal, fica evidente que para nada isso serviu e que ele estar tão exposto e vulnerável como qualquer ateu que nada venera, ou como aquele “outro cara” da “religião inimiga” que o fiel tanto odeia.
Não importa a crença religiosa que os fiéis estejam inseridos ou quão famoso venha ser um líder religioso por operar “milagres e curas”, todos nesses momentos aguardam com apreensão, esperando boas notícias vindas de profissionais que oferecem soluções reais para problemas reais a exemplos de geneticistas, biólogos, virologistas, médicos e profissionais da saúde e da defesa em geral. Até um profissional da limpeza comum, o mais “baixo” entre todos eles, tem mais serventia nesse instante que o mais eloquente dos líderes religiosos que como empresas ilegais, oferecem coberturas para serviços que não tem condições de prestar.
Outro fato interessante é que esses profissionais (os que apresentam soluções reais para problemas reais) a maioria são anônimos, não exigem subserviência cega como os líderes religiosos o fazem, não querem 10% do seu salário, não vão impetrar maldições sobre ti se você não o bajular ou se não permanecer ao lado deles depois de curado, e quando tudo isso passar, eles voltarão ao anonimato, vivendo suas vidas como heróis sem medalhas, mesmo tendo salvos dezenas ou centenas de vidas. Diferente de um líder religioso comum que te exige fidelidade e pagamento eterna só mesmo não tendo te dado nada de útil em troca.
Em situações assim, podemos então refletir: qual a serventia dos deuses para a humanidade em situações de calamidades globais? Precisamos mesmo dar dinheiro “para a obra de deus”, sendo que “quando o bicho pega” só quem pode nos salvar é a obra dos homens? Não seria a hora de investirmos menos em igrejas e passar a investirmos mais em pesquisas cientificas? Se deus não resolve nada em tempos de crises, por que continuar pagando por um serviço inútil? É justo se submeter a alguém que exige dinheiro, fidelidade e permanência vitalícia numa igreja como pagamento pelos serviços que outros prestaram? Algo a se pensar!
Se separamos com facilidade 10% para os profissionais da fé, por que não reservamos pelo menos 1% para um fundo global de investimento, onde todos os cientistas e profissionais da saúde em geral possam ser beneficiados e não apenas os médicos de alta patente? Algo a se pensar...
Enquanto vemos com frequência “ungidos, santos e escolhidos por deus”, explorando outros humanos, ofertando o que não se tem e prometendo o que não se pode cumprir em nome dos deuses, vemos em tempos como esses certos “humanos, falhos e pecadores” sacrificando a própria vida em função da vida e do bem estar de tantos outros.
Isso nos faz recobrar a fé na humanidade! A salvação que esperamos não vem dos deuses! Ela estar bem perto de nós, conosco e ocorre por meio de nós.
A salvação futura da humanidade também não bem dos deuses. Virá por meio de um processo de consciência inteligente quando as pessoas deixarem de tentar agradar demais os deuses imortais e que de nada precisam e aos seus representantes e passarem a respeitar mais os seus semelhantes, mortais, com todos os seus defeitos e vontade de viver.
Se em todo modelo de empresa constituída por humanos “falhos e pecadores”, o empregador é quem deve pagar aos empregados, que o próprio deus providencia de forma miraculosa o pagamento de seus arautos sem que seja preciso que esses venham ameaçar o povo com inferno e pragas diversas se estes não contribuírem ou obedecerem a esse tal ungido. Esse será que sabe um dos maiores passos que daremos para uma nova fase, livre do charlatanismo legalmente aceito, cuja sociedade tende a ser hipócrita e irresponsável por ter a certeza que podem terceirizar todas as responsabilidades que não querem assumir. Se você pode pagar, você pode ser perdoado. Esse é o lema não dito de alguns modelos de crença religiosa.
Mas cedo ou tarde também iremos eliminar esse tipo de vírus. E todos são tidos como celebres e importantes por usarem o nome dos deuses para enriquecimento próprio ou opressão coletiva, um dia serão retratados com escárnio e com nojo pelas sociedades que nos sucederão.
Que sejam mal vistos todos os que fazem do comercio da fé um meio de vida, um estilo de negócios parasita e de atraso social.
Que sejam bem ditos e abençoados todos que de bom grado, sem esperar recompensa de deuses ou de homens, faz com que a vida humana tenha mais sentido por meio de ações verdadeiras e não apenas de palavras fazias e de falsas promessas!
Eu ainda confio na humanidade!
Saúde e sanidade a todos.
Texto escrito em 21/3/20
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.