Pandemia, prudência e esperança
Senhoras e senhores,
Na alvorada do século XXI, o fortalecimento das instituições e a afirmação do direito como responsável pela mediação conflitiva e pela busca do consenso na sociedade tornam-se imprescindíveis para que possamos superar, com sabedoria e equilíbrio, as crises que se abatem sobre o mundo moderno.
Uma grave ameaça hoje paira sobre o mundo, e é preciso mover todos os esforços para refrear a sua expansão. Às instituições cabe um papel relevante na adoção conjunta de medidas que possam coibir o contágio, minimizando, o máximo possível, seu impacto social.
A todos porém, indivíduos e instituições, cabe também uma tarefa maior, e tão mais nobre quanto mais hercúlea, que diz respeito não apenas a adoção das imperiosas medidas sanitárias, mas de fazer desse momento histórico, uma escalada para o aprimoramento humano.
“Devemos aprender até mesmo com nossos inimigos” ensinou o gênio de Isaac Newton. A cisão e polarização que hoje marcam nossa sociedade devem ceder lugar a uma consciência mais clara e concreta de que, para além das divergências políticas, ideológicas e religiosas, convergimos num mesmo ponto que a todos irmana e clama por ser redescoberto: somos todos humanos.
Afinal, como sintetizou o presidente John Kennedy, um líder que se destacou em tempos de crise: “O laço essencial que nos une é que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar. Todos somos mortais.”
Que nesse instante de medo e insegurança, possamos descobrir que em nossa fragilidade reside nossa suprema força. Por ela somos impulsionados ao elemento ético fundamental representado pelo cuidado: cuidado com nós mesmos, com nossos familiares e amigos, cuidado com todo ser humano.
Cuidado que tantas vezes negligenciamos, a nós, ao planeta, e ao outro, deixando vergar nossas vidas aos imperativos do crescimento, da expansão e das conquistas materiais, esses novos dogmas, auto-evidentes e inquestionáveis da sociedade de consumo.
Com o vírus talvez possamos redescobrir que a vida humana é mesmo o maior dos milagres, nosso cérebro, a maior das máquinas, a imaginação a maior das asas.
No isolamento da quarentena, que possamos redescobrir o valor de estar a sós, pois é fundamental ao humano que saiba viver também para dentro. Recolher-se a si mesmo tem sido historicamente fonte não apenas de ideais e invenções, mas de felicidade e paz, pela imunização conferida contra os males que nos cercam. Ademais, como lembra o grande Guimarães Rosa, “a colheita” pode até ser “comum, mas o capinar é sozinho”.
Que possamos descobrir novos usos para a recursos tecnológicos de que dispomos, para que passem a atender mais à vida humana e menos aos clamores do mercado e da sociedade do espetáculo. Que da crise uma nova era se inicie, em que a tecnologia permita realizarmos nossas capacidades, sendo mais instrumento que parâmetro.
Enfim, não nos deixemos tomar pelo medo, esse sentimento terrível que nos diminui, contamina e oprime. A muitas outras gerações na história coube superar semelhantes ameaças, nós também superaremos. Mas não nos abdiquemos do cuidado e das medidas necessárias à preservação de nossas vidas, de cuja saúde hoje depende explícita e diretamente a saúde do outro e do planeta. Por fim, não deixemos de desvelar, na face deste trágico inimigo, novos sentidos que possam nos tornar mais humanos.
Que tenhamos todos muita sabedoria, coragem e prudência para poder atravessar esses tempos desafiadores e turbulentos.
Encerro minhas palavras com uma reflexão do poeta T S Eliot, um homem que viveu as grandes tragédias da 1a Grande Guerra Mundial e da Gripe Espanhola, que vitimaram milhões de pessoas:
“Eu disse a minha alma/ fica tranquila e espera /Até que as trevas sejam luz, /e a quietude seja dança”. (T S Eliot, “Quatro quartetos”)
Muito obrigado!